sexta-feira, dezembro 31, 2010

LOGRADOUROS

Os espaços verdes situados no interior dos quarteirões, embora escondidos dos olhares de quem passa nas ruas, constituem uma importante reserva de arborização, jardins, hortas e pomares o mais das vezes já abandonados, ou perto disso, por via da tendência nefasta que despovoa o centro das cidades. Mas esse verde está lá e preenche funções ecológicas vitais, mesmo em zonas urbanas onde quase não há espaços verdes públicos. Trata-se de propriedades privadas, e pertencem a um tempo social e urbano que a fuga para as periferias e a desvalorização do «casco» antigo das cidades condenou a uma morte lenta. Vista do céu, uma cidade como o Porto parece mais arborizada e com mais espaços abertos do que seria de pensar; e deve-se esse fenómeno aos tais «logradouros» --assim lhes chamam— que reganham importância com a constatação da necessidade de salvaguardar terrenos ainda capazes de absorver a água da chuva, garantir assinalável biodiversidade (basta a visita a um desses espaços para que nos surpreenda a abundância de aves, insectos e outra vida selvagem,) e dar guarida a árvores de fruto e outras que por lá ficaram, produzindo ar puro e reciclando as poluições da urbe.
O problema começa quando se debate «o que fazer» a estes logradouros. Aproveita-los para novos espaços verdes públicos, integra-los sem perdas nos necessários processos de reabilitação urbana, protegê-los através de leis e regulamentos.
E aqui verifica-se que, apesar de garantida a sua protecção em sede de Plano Director Municipal do Porto (PDM), não parece ser eficaz essa defesa: o que se vê é o desaparecimento gradual mas seguro dos logradouros, ocupados por garagens, armazéns e todo o tipo de construções que desvirtuam, não raramente, o disposto no PDM, já que as áreas de não impermeabilização são amiúde desrespeitadas.
Como este tipo de destruição lenta é também relativamente invisível, só tarde de mais se dá com o facto consumado na rua tal, no quarteirão tal. E nada se passa.
Cabe perguntar: qual é a política da Câmara do Porto nesta matéria? Está o PDM a ser cumprido nas intervenções que por todo o lado se vêem?
Ou será necessária uma protecção mais específica e mais abrangente, sendo para tal oportuno aproveitar a revisão do PDM em curso? A não ser que a revisão venha ainda a proporcionar-nos surpresas desagradáveis, «liberalizando» a ocupação dos logradouros em nome do «progresso»! Queremos crer que não, mas nestas coisas de planos directores, realmente o «diabo esconde-se nos pormenores».
Curiosamente, em Lisboa, o mesmo tema fez recentemente correr muita tinta; o regulamento do PDM alfacinha, em proposta, veio tentar uma via para torcer o que diz o seu Plano Verde, admitindo edificação nos logradouros desde que sejam previstas como compensação umas «superfícies verdes ponderadas», que podem ser feitas na cobertura dos edifícios e até nas suas paredes. Ou seja: uma heras ou uns vasos de flores na cobertura podem valer o direito a impermeabilizar o quintal, deixando dez ou vinte por cento para amostra.
No Porto— e em outras cidades também— é preciso verificar o que tem falhado, se fiscalização se vontade política, e o que é preciso fazer para manter vivas e ao serviço da cidade estas áreas únicas e valiosas,
Os cidadãos devem preocupar-se com estes assuntos, mesmo tendo de vencer a burocracia de chumbo e a linguagem esotérica dos planos urbanísticos (feitos por medida para que só alguns os entendam e sobre eles decidam!) para que bens públicos e privados que fazem falta à cidade não sejam «raptados» por uns poucos.
Digo eu: os quintais antigos do Porto valem bem a nossa vigilância!Bernardino Guimarães
( publicado no JN em 7/12/2010)

1 comentário:

  1. Cada vez mais se verifica o interesse das Câmaras em criar hortas comunitárias.Não criar condições, nem legislar no sentido de preservar o que existe, é incompreensível.

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