sexta-feira, dezembro 31, 2010

O ANO DE TODAS AS CRISES

É costume fazer-se nesta altura do ano o balanço dos últimos 365 dias, agora que o Inverno começa e se celebra o Natal da fraternidade e da reflexão.
Não sei se um tal hábito aproveita muito à preparação de um novo ano, como as resoluções para futuro, em forma de lista de intenções, acabam muitas vezes esquecidas poucos dias depois; mas talvez valha a pena pensar o que foi este 2010 terrível em tantos aspectos. Foi certamente o ano de todas as crises, no que aliás continuou o ano anterior, cheio de sustos bolsistas e privações reais para a maioria.
Para o Ambiente, 2010 foi o ano internacional dos impasses e das grandes promessas não cumpridas. Alguém duvida? Bastará ver que a comunidade das nações se revelou incapaz de realizar alguma coisa de sólido contra dois dos principais problemas da «crise ecológica», a saber as alterações climáticas e a perda de espécies. Quanto ao clima, e depois da desilusão de Copenhaga há um ano, fez-se Cancun— uma estância turística mais amena— para confirmar o fracasso; não se foi além de umas tépidas considerações gerais e da criação de um Fundo Verde para apoio aos países mais pobres, além de uma quase patética resolução empenhando a vontade dos estados no objectivo de não «deixar» o clima global aquecer mais de 2 graus!
A biodiversidade— que era o mote de 2010 como meta temporal para travar o desaparecimento das formas de vida, animais e vegetais--- também teve o selo da inépcia e do derrotismo. Em outra conferência mundial, concordou-se em discordar sobre quase tudo, excepto quanto à gravidade desta «crise das extinções» – e na fixação de outra meta para estancar a sangria: 2020.
Este quadro pouco animador, ou mesmo deprimente, fica a dever-se, em parte, à situação de grave crise económica internacional, que desvia as atenções dos dirigentes para o imediatismo das aflições financeiras. Também a «ecologia» da política mundial se revela hoje favorável às abordagens economicistas e monetaristas, que negam a solidariedade internacional entre os povos— mesmo na Europa cuja base e sentido era precisamente essa solidariedade, agora esquecida— e recusam ver nos sinais de desgaste da Natureza uma ameaça bem concreta, capaz de pôr em causa o futuro das próximas gerações.
Por todo o lado, o liberalismo «salta» de novo como solução— alguns verão facilmente nessa ideologia, grande parte do problema— e assim como prega e impõe a desvalorização do trabalho como túnel de saída da crise, igualmente entende que as preocupações ecológicas são um «luxo» ao qual não se pode ceder: e assim temos mais pobreza e ambiente mais degradado pela certa, receita explosiva e lamentável, verdadeiro retrocesso. De onde se observa a Europa (e todo o Ocidente) a resvalar gradualmente para o modelo económico/social/ambiental que se atribui à China do capitalismo selvagem, em vez de acontecer o contrário, como seria desejável para «civilizar» a globalização.
Mas estes desabafos não se destinam a ajudar o peditório do desalento— o futuro, bem o sabemos, sempre escapa às nossas pretensiosas profecias. Depende de cada um de nós— mesmo que pouco, mesmo que só uma gota de vontade no oceano— decidir o que quer e o que quer fazer. Essa liberdade ainda não nos foi retirada e o mundo «é composto de mudanças» --nem todas más, necessariamente!
Reagir a este estado de coisas e fazer emergir de novo uma agenda ambiental realista é tarefa para 2011— na cidade, na Área Metropolitana, no país e no mundo.
Que um certo «optimismo da vontade» possa vencer o negrume do «pessimismo da razão» que nos cerca, pesada e tristemente dominador!
Bernardino Guimarães
( Crónica publicada no JN em 21/12/2010)

2 comentários:

  1. Se consideramos os crises económicos como guerras sem armas de fogo em vez de catástrofes naturais devemos pelo menos perguntar, onde estão os vencedores. Os perdedores sabemos bem, somos nós.
    E o meio ambiente, que conta nada em todas as guerras.

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  2. ". Depende de cada um de nós— mesmo que pouco, mesmo que só uma gota de vontade no oceano— decidir o que quer e o que quer fazer. Essa liberdade ainda não nos foi retirada e o mundo «é composto de mudanças» --nem todas más, necessariamente!"
    Como é brilhante a forma como terminas o texto,parabéns!

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