quarta-feira, março 16, 2011

A BAIXA PARA TODOS

A ideia de reabilitação urbana vai fazendo o seu caminho. Demasiado tempo se alimentou a corrida á construção nova, alargando sem limites as áreas urbanas enquanto o centro das cidades ia caindo de abandono. Especulação sem freios na periferia devorando o espaço natural e criando subúrbios incaracterísticos e sem qualidade de vida. A cidade antiga sem gente, sem cuidados, sem vida. Esse tempo ficou para trás? A verdade é que já se começa muito tarde a fazer consenso sobre a reabilitação urbana como verdadeira prioridade nacional, capaz de criar empregos e riqueza sem aumentar a dívida externa, desenvolvendo as capacidades locais e dando nova imagem, mais atractiva e dinâmica às cidades.
Os benefícios sociais, ambientais e económicos são de tal monta que se lamenta o tempo perdido em obras públicas megalómanas e em auto-estradas que uma singular miopia um dia prometeu «gratuitas».
O Porto começou esse esforço há vários anos e tem de ser assinalado o pioneirismo e a visão da Câmara Municipal, que elegeu esta «frente» como prioridade. A Sociedade de Reabilitação Urbana do Porto tem obra feita, e basta passar pela Baixa e pelo centro histórico para constatar que a renovação do edificado há muito saiu do papel para se tornar realidade.
Ao mesmo tempo, um movimento espontâneo e muito diversificado foi elegendo a Baixa como palco de uma «movida» que veio insuflar vida a velhos espaços onde nada mexia, e os jovens, os artistas, gente de todos os sectores sociais parece ter redescoberto a Baixa e querer povoá-la de novo, com ideias, com projectos, com inovação que não dispensa a tradição e o ambiente urbano com identidade e história.
Infelizmente, os esforços municipais e o dinamismo da chamada «sociedade civil» não tiveram a devida correspondência e apoio do Estado, que descurou a urgente desburocratização dos procedimentos para a reabilitação dos edifícios, o estímulo ao mercado de arrendamento e apoios financeiros e fiscais que permitiriam acelerar o processo de renovação. Parece que agora, nas esferas governamentais, se «estuda» uma mudança de rumo. Ainda bem.
Não se pode ignorar que a reabilitação urbana, que aos poucos muda a face do velho burgo, apresenta lacunas e problemas por solucionar. É legítima certa crítica dirigida ao excesso de «fachadismo» --que deixa renovadas as fachadas ilustres, mas abdicando do interior dos provectos prédios.
Mais grave é a tendência para uma oferta de fogos reabilitados só acessíveis aos muito ricos. O «mercado de habitação de luxo» é saturado de novas propostas, ao que parece não coroadas de êxito. Certo é que o próprio processo de reabilitação é caro, até porque os procedimentos burocráticos e legais o encarecem para além do razoável, mas não deixa de ser preocupante essa fixação num único segmento, que não permitirá o retorno à Baixa das classes médias e ameaça expulsar o que ainda resta dos moradores de sempre.
A «mistura social» é boa conselheira e deve existir oferta de edifícios reabilitados para todas as bolsas, fomentando o arrendamento, a instalação de jovens e assim criando harmonia social em vez de exclusão e política de «condomínio fechado»!
A habitação social que é ainda preciso fazer, sem insistir na construção de «guetos» /bairros camarários, também pode e deve ser feita na Baixa e no centro histórico.
Entretanto, particulares e associações— como o Plano B que recentemente apresentou os seus projectos— estão já a tomar a iniciativa neste sentido. Um bom sinal. A reabilitação deve ser a maior das prioridades para o Porto e o país. Importa que dela resulte sustentabilidade, melhor ambiente e mais equidade social.
Bernardino Guimarães
( Crónica publicada no Jornal de Notícias em 15/3/2011)

1 comentário:

  1. A «mistura social» é boa conselheira e deve existir oferta de edifícios reabilitados para todas as bolsas, fomentando o arrendamento, a instalação de jovens e assim criando harmonia social em vez de exclusão e política de «condomínio fechado»!

    Muitos problemas teriam sido evitados se esta prática se realiza-se há mais tempo.

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