terça-feira, março 01, 2011

MUDANÇA

Estaremos à beira de um novo «choque petrolífero»? Os ventos que sopram do norte de África apontam nessa direcção. Uma inquietação forte tomou conta dos mercados e o preço do crude subiu, levando os especialistas a prever o custo do barril na casa dos 200 dólares, ainda este ano. A verdade é que poucos contariam com convulsões sociais e políticas tão fundas e graves em países que eram a ilustração perfeita da imobilidade e do conformismo. Povos habituados e sofrer em silêncio, resolveram desmentir o costume e mudar o curso da História. Alguns dos países onde se verifica a «revolta árabe» não possuem petróleo. Outros sim. Os países ocidentais, a começar pela vizinha Europa, dão conta da sua imprevidência: não só descuraram a sua independência face aos exportadores de «ouro negro» como pactuaram longamente com regimes tirânicos onde os direitos humanos eram espezinhados. O poder do dinheiro e a comodidade das fontes de abastecimento falaram mais alto. Vemos assim Portugal a dar-se conta da sua dependência do petróleo da Líbia, por amor do qual se voltou a dar a mão e hospedagem ao líder absoluto, anos antes considerado terrorista e ameaça global. A política do «realismo» e do interesse económico acima dos princípios, descobre agora a sua fragilidade e a sua imprudência num mundo de mudanças rápidas e de movimentações voláteis.
Em que nos afecta isto? Basta pensar na despesa crescente, visto que a dependência energética total, acende nos combustíveis fósseis, pouco ou nada diminuiu e que qualquer oscilação nos preços virá a ter consequências financeiras graves.
Será que o aumento dos preços do petróleo e do gás natural era assim tão imprevisível? A recuperação económica mundial— ainda a sair do colapso bolsista/bancário— seria suficiente para fazer crescer, gradualmente os preços, à medida que aumentasse a procura. O que agora se enfrenta é uma provável escalada rápida e sem transição.
O mundo dependente dos combustíveis fósseis é um mundo perigoso. A nossa vida pode ser afectada nas suas rotinas e isto em tempo de crise e de penúria de recursos.
Resta saber se este sobressalto pode ser oportunidade.
Nas cidades, é imperativo adoptar novos modelos de mobilidade. A eficiência energética tem de ser a regra e a base de todas as medidas. As redes energéticas terão de ser «inteligentes» e descentralizadas, de modo a poupar desperdícios de «transporte». O consumo deve ser orientado para critérios de maior proximidade, reduzindo a distância/quilómetros entre produção e consumo. Cidades menos extensas e mais compactas (reabilitando construções antigas em vez de construir novo) permitirão serviços de transportes públicos mais eficientes e cómodos e menos tempo diário perdido pelos cidadãos.
Em Espanha, adoptou-se há dias um novo e mais baixo limite de velocidade nas estradas, medida com a qual o governo conta poupar mais de 10% de combustível.
Também neste caso iremos copiar os nossos vizinhos? Vale a pena pensar no assunto.
De um modo geral, acabou o tempo das certezas que nos vendiam. Acabou há muito tempo, mas só agora o vamos percebendo. Mais uma vez, ambiente e economia se cruzam nesta curva apertada: o que fizermos para ultrapassar a «era dos combustíveis fósseis» deverá ser importante para resolver a crise das alterações climáticas e a perda de biodiversidade, a crise ecológica global.
Uma região metropolitana como a do Porto deve saber antecipar os impactos das mudanças que nos interpelam— e ser actor do seu destino como aglomeração urbana em vez de apenas sofrer as consequências de decisões e factos que acontecem longe de nós.
Bernardino Guimarães
(Crónica publicada no Jornal de Notícias em 1/3/2011)

2 comentários:

  1. A ubiquidade do petróleo, e o desajustamento da sua produção face à procura, que ocorre desde 2006 segundo a IEA ( a notícia mais importante de 2010 mas apenas um rodapé nos jornais internacionais e omissa nos nacionais), vão ter um impacto avassalador tanto na economia familiar como na global.

    Pura e simplesmente não há substituto nos transportes para a densidade e (até agora) economia oferecida pelo crude e não existe economia global sem transportes baratos.

    Estamos neste momento a viver outro ciclo de inflacção de preços das commodities levantado pela subida do petróleo (que está em tudo o que se produz), semelhante ao vivido em 2008.
    Da última vez os camionistas bloquearam o país (transportam 98% dos bens de consumo) e a bolha imobiliária global foi exposta por este stress, gerando uma subida global do desemprego.
    Nada foi feito para adaptar a sociedade à escassez de crude, com o Ministério da Agricultura a publicar um patético e discreto panfleto sobre como ter reservas de alimentos em casa (Portugal não tem reservas alimentares neste momento, com os silos de cereais eliminados por este governo).

    Camionistas marcaram outra paralisação.
    Produtores pecuários e hortícolas dizem que com que este preço não compensa sequer importar os recursos de que precisam.
    A ferrovia eléctrica vai sofrer no período de um ano o maior corte de sempre.

    O que será necessário para aprendermos?

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  2. "Nas cidades, é imperativo adoptar novos modelos de mobilidade. A eficiência energética tem de ser a regra e a base de todas as medidas. As redes energéticas terão de ser «inteligentes» e descentralizadas, de modo a poupar desperdícios de «transporte». O consumo deve ser orientado para critérios de maior proximidade, reduzindo a distância/quilómetros entre produção e consumo. Cidades menos extensas e mais compactas (reabilitando construções antigas em vez de construir novo) permitirão serviços de transportes públicos mais eficientes e cómodos e menos tempo diário perdido pelos cidadãos."
    Velhos problemas sem solução à vista?

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