quinta-feira, abril 14, 2011

REGRESSO À TERRA

O aumento do preço dos alimentos básicos no mundo tem vindo a preocupar os especialistas e as instituições internacionais. A flutuação dos preços nas bolsas afecta directamente muitos milhões de pessoas, em todos os continentes, e o espectro da fome nunca está afastado do horizonte sombrio de grande parte da população do globo.
Agora mesmo, os níveis de reserva de «segurança alimentar» estão mais baixos do que nunca, segundo a ONU.
Trata-se de um problema muito grave, que deve suscitar reflexão cuidada.
Muitas causas têm concorrido para esta situação: secas prolongadas, encarecimento dos factores de produção e nomeadamente a energia, catástrofes naturais de toda a ordem. A isto vem somar-se a produção de alimentos, cereais e outros cultivos, para obter matéria-prima energética, os famosos biocombustíveis cujo papel na inflação dos preços dos alimentos está documentada e confirmada.
Por outro lado as indústrias agro-alimentares nem sempre jogam limpo, tendo em conta que o que produzem diz respeito ao suporte de vida mínimo dos seres humanos, e as transacções bolsistas reflectem essa especulação que seria preciso controlar.
As distorções dos mercados globais continuam a fazer quase impossível a vida dos pequenos produtores dos países pobres, confrontados com a concorrência desleal das super-subsidiadas agriculturas europeia e norte-americana.
Para não falar da apropriação cada vez mais descarada, pelas multinacionais agro-alimentares, das próprias sementes, «patenteadas» e monopolizadas em favor de lucros fabulosos com a dependência agravada dos povos em relação aos cultivos, que deixam de ser seus e passam a fazer parte do instrumental de entidades cuja lógica é a rapina pura e simples. Ou a introdução mais ou menos ardilosa de falsas soluções ameaçadoras para o ambiente e para a saúde humana, como é o caso dos organismos geneticamente modificados.
Tudo isto— onde se joga a vida ou a morte e as condições de vida de centenas de milhões de pessoas, pede hoje uma revisão atenta e uma nova visão de justiça e de equilíbrio.
As alterações climáticas que prolongam e acentuam secas, ou chuvas intensas noutras regiões, a acrescida incerteza do clima que desestabiliza os cultivos, a destruição de solo fértil, desgastado por uma agricultura moderna intensiva que despreza o capital natural sem o qual nada é perene e seguro, tudo isso pode ainda agravar este quadro.
Apesar da crise e da austeridade que nos garante a «ditadura financeira» que agora nos governa, não se pode dizer que Portugal esteja tão mal, em situação de eminente carência alimentar— como sucede em outras latitudes.
O que pode dizer-se é que a fome por aqui cresce discreta e envergonhadamente, por falta de dinheiro que a tantos afecta, que não por falta de alimentos nas prateleiras das lojas e supermercados.
Mas o nosso nível de dependência alimentar nunca foi maior; produz cerca de um quarto ou pouco mais das nossas necessidades. Não admira: um estudo recente dava conta de dois milhões de hectares de terras abandonadas. Desarticulou-se a produção local e tudo é importado. Com as consequências já visíveis na nossa dívida externa. Será necessário, nestes tempos de crise, inverter esta situação. É urgente caminhar para a recuperação de solos e para a produção que respeite as condições ecológicas das diferentes regiões. Temos de proteger os solos de qualidade que nos restam e ainda não foram ocupados por betão e asfalto.
Estimular a produção de alimentos de proximidade; dar também um impulso grande à agricultura nas cidades e nas periferias, onde existem terrenos para tal. Isso será bom para a nossa segurança alimentar e para o ambiente.
A crise pode ensinar-nos a mudar de rumo—e o regresso à terra pode bem ser um dos caminhos a descobrir.
O «regresso à terra» pode mesmo ser uma necessidade imperiosa, até para que o mundo rural possa renascer da sua actual decadência e abandono.
Bernardino Guimarães
(Crónica emitida pela Antena 1, 14/4/2011)

2 comentários:

  1. Será que o mundo carece mesmo de alimentos,ou de bom senso?A fome no mundo,não será mais de amor,solidariedade,altruísmo?
    Padecemos todos,de um individualismo bestial,o que nos leva ao descaso com o outro,ao desperdício de recursos pelos que os tem,ao consumismo desenfreado...Mas sabem o engraçado do egoísmo?É que egoísmo é pensar somente em si,certo?Errado!!Todos estamos ligados uns aos outros,irremediavelmente.É impossível prejudicarmos o outro sem sermos afetados.Portanto,qdo somos egoístas,nem mesmo em nós estamos pensando,o egoísta na verdade não pensa,age pelo impulso,o que não é justificável em nossa atual fase evolutiva,já que somos seres pensantes.Ou não somos???

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  2. "A crise pode ensinar-nos a mudar de rumo—e o regresso à terra pode bem ser um dos caminhos a descobrir.
    O «regresso à terra» pode mesmo ser uma necessidade imperiosa, até para que o mundo rural possa renascer da sua actual decadência e abandono."
    ...Que seja o tão desejado renascer da cinzas.

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