segunda-feira, outubro 19, 2009

MUDAR LOCALMENTE

Poder local: haverá expressão tão eloquente de uma democracia viva e presente no quotidiano? Gerir com autonomia e participação as comunidades locais, fazer política do concreto e de proximidade, que coisa pode haver mais positiva e exaltante?
A importância das autarquias locais na consolidação do regime democrático não deve ser negada, nem tão pouco a contribuição dos poderes locais para aquilo que em muitos casos se traduziu na satisfação de elementares necessidades das populações. E no entanto…trinta anos de democracia local, com crescentes atribuições e responsabilidades deixam algum sabor amargo, difícil de disfarçar. O balanço é estranhamente ambíguo. Como ignorar a destruição quase generalizada da paisagem, o país mais feio a cada ano que passa, as despesas inconsequentes, o empobrecimento dos valores naturais e patrimoniais, o desordenamento irrefutável do território? Não vale a pena repetir o que é constatação geral, mas uma acumulação de erros sempre repetidos, dentro de uma lógica de crescimento que avassalou tudo e nada respeitou à sua passagem deve, necessariamente ser debitada aos autarcas— ou a grande parte deles. E a sombra negra da corrupção, endémica, inserida no coração do sistema político e económico, se não pode ser assacada unicamente ao âmbito das autarquias, encontrou aí terreno fértil— para nossa desgraça.
Pessimismo? A verdade é que, identificados os males, todos ganhariam em encontrar a origem, as causas das entorses e dos vícios que já se transformaram em regras. Pessimismo seria antes pretender que já nada se pode mudar ou corrigir!
Sem originalidade alguma, insiste-se no óbvio: é necessária uma nova abordagem do poder local. E esperam-se decisões, que realmente deveriam fazer parte de uma reforma geral das instituições no sentido do aperfeiçoamento da democracia. Retomo algumas: é urgente modificar a sério o modo de financiamento das autarquias, separando-o totalmente das receitas que provêm dos licenciamentos de construção e do imobiliário em geral. Os instrumentos de planeamento do território não podem continuar a ser letra morta ou grossos volumes que fazem a delícia (e a fortuna) de uns poucos técnicos— nesta matéria, tudo continua por fazer, a começar pela criação de formas de participação pública efectiva. As opções de ordenamento do território devem ser coerentes nos seus diferentes níveis e assumidas como orientações políticas claras. Para não estender demasiado as recomendações, insiste-se na tributação pesada e dissuasora das mais valias geradas pela mudança de uso do solo, de agrícola ou florestal para urbano e edificável. Também a expansão do solo urbanizável, quando exista ainda terreno disponível para edificação ou reabilitação, deve ser fortemente penalizado.
Talvez venham (quem sabe?) a ser os próprios autarcas os proponentes destas e de outras medidas, num ambiente de combate sem tréguas à corrupção, ao desperdício e às promiscuidades que enlaçam agentes políticos eleitos e poderes fácticos, económicos e outros. Alguns sinais do eleitorado apontam para essa necessidade e devem ser bem interpretados!
O primado do interesse público e a defesa do que são valores permanentes, como os recursos naturais, a água e o solo em primeira linha, permitirá um sem dúvida uma nova «ecologia política», mais saudável, mais transparente. Para que não prevaleça na crónica o tal pessimismo, diga-se que já nestas eleições autárquicas se viu, claramente, aqui a ali, não ser recompensada a mistura entre política e interesses do betão. Bons sinais para o futuro?
Bernardino Guimarães
(Crónica publicada no jornal de Notícias em 13/10/09)

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