Na ausência de verdadeiro planeamento, pode dizer-se que, nas grandes opções do Estado, em termos de investimento público e de prioridades, reina a maior confusão. Dito de outra forma: os planos e os projectos não se harmonizam, contradizem-se uns aos outros. Por causa disso, ninguém sabe quais são as intenções e compromissos que prevalecem, ou seja, que ideia existe para o país e que objectivos se pretendem alcançar em nome do bem comum.
O caso das barragens é exemplar. O governo lançou um mega-plano (com o pomposo nome de Programa Nacional de Barragens com Elevado Potencial Hidroeléctrico, PNBEPH) que consiste na construção de 10 barragens. Da lista ficou— vá-se lá saber porquê— de fora a do Baixo Sabor, um imenso empreendimento com elevado…potencial de destruição da Natureza, atentado que ficará nos anais da insensibilidade ambiental.
O plano foi analisado em documento produzido em Julho (o governo «engavetou-o» e só há poucos dias foi conhecido) por uma equipa destacada pela Comissão Europeia: as conclusões são arrepiantes. Os peritos não encontraram justificação para as novas barragens e afirmam, preto no branco, que as «autoridades portuguesas não fizeram uma comparação adequada entre os benefícios da construção das novas barragens e a defesa da qualidade da água». Pior ainda, o estudo diz que se forem concretizadas tais construções, Portugal não conseguirá cumprir a Directiva europeia da qualidade da água a que está obrigado até 2015. Os peixes migradores e a biodiversidade não foram consideradas aquando da elaboração dos projectos, e tão pouco os efeitos indirectos em zonas costeiras e na globalidade das bacias hidrográficas, o que significa impactes indirectos não previstos no litoral (retenção de sedimentos, etc) e um perigo significativo de degradação da qualidade das águas em toda a extensão de vários rios.
Quer dizer— o estudo europeu arrasou uma das «vacas sagradas» da política de betão do governo.
Voltando ao início da crónica e às contradições: queremos nós alcançar a excelência do estado das massas de água, em proveito do turismo e do desenvolvimento regional, do abastecimento público, ou isso conta pouco e afinal o que interessa é fazer barragens? Contradição à qual não se respondeu.
Se pensarmos que, das dez barragens, seis dizem respeito à bacia hidrográfica do rio Douro, já tão castigada, seria de pensar que o assunto fosse vital para os políticos e instituições da região Norte, tão pródigos a gabarem a importância do grande rio para a nossa vida e economia. Mas nada se ouviu, o que é estranho.
Confusão: procuram-se soluções para a erosão acelerada de quase todo o nosso litoral marítimo, mas não se estudam a fundo as implicações graves que as barragens podem ter nessa matéria. O Estado assume compromissos com a defesa da biodiversidade, mas avança com a sua submersão sem pestanejar.
Ou ainda: se todo o PNBEPH for efectivado, a energia produzida será menos de 3% do total nacional. Quando se sabe que a eficiência energética, apenas com medidas de bom senso e aplicação de tecnologias disponíveis, poderá diminuir o consumo em pelo menos 20%!
Será que vale a pena? A saúde, já tão problemática, do Douro, do Tâmega, do Tua, do Sabor e de outros rios não vale ao menos um debate nacional…e regional?
De facto, as prioridades andam trocadas, jogando à pancada umas com as outras. Mas com o PNBEPH arrecadou o Estado 1.300 milhões de euros avançados pelas entidades construtoras, EDP à frente, «receita extraordinária» para abater ao défice. Explicada a confusão?
Bernardino Guimarães
(Crónica no Jornal de notícias, 24/11/09)
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