quinta-feira, março 26, 2009
AUDUBON
A paixão pela Natureza feita Arte, ou a pintura ao serviço da revelação das coisas naturais como elas são (e como o artista as vê), iluminando o conhecimento e seduzindo pela beleza e realismo das formas— é o que apetece dizer, mesmo num primeiro contacto com a obra de Audubon, o pintor naturalista norte-americano mais célebre e celebrado.Quando folheamos os tomos onde se reproduzem as telas de Audubon, como que uma impressão de fascínio nos assalta. Nenhum amante da Natureza fica indiferente, tanto tempo decorrido desde a produção das telas. O pintor tinha nítida predilecção pelas aves. Estes seres extraordinários percorrem a sua vida. Explorando os confins de um continente que, no seu tempo, era ainda mal conhecido e cuja fauna estava longe de ser muito estudada, Audubon fixa os retratos impressivos que ainda hoje podemos contemplar com admiração: a águia-pesqueira no momento da captura da sua presa, a dança crepuscular das corujas, a grande garça-americana e os colibris minúsculos e frenéticos – todos eternizados nas pinturas, como se o tempo tivesse parado e ficasse só aquele momento captado pelo olhar do artista.Alguns dos «retratados» não poderiam sê-lo hoje. Duas gravuras nos chamam a atenção para esse facto— o periquito da Carolina, extinto em 1920 devido à intensa perseguição que lhe moveram em busca de penas coloridas, e o famoso pombo-migrador, extraordinariamente abundante no tempo de Audubon e de que hoje resta só um exemplar embalsamado num museu. Ficou o registo artístico de singular beleza!
O mais famoso dos ilustradores de história natural do século XIX, exímio ornitologista e viajante incansável, chamava-se Jonh James Audubon e nasceu em 1785 em Les Cayes, Santo Domingo, hoje Haiti, filho ilegítimo de um plantador e oficial da marinha francesa e de uma mulher crioula.Rezam as crónicas que o pai o levou para França, e foi educado em Nantes pela esposa legítima e iniciado no amor à natureza, às aves, ao desenho e à música.Em França permaneceu até ao ano de 1803, decidindo então emigrar para a Pensilvânia, diz-se que para evitar ser mobilizado para os exércitos de Napoleão.Numa fazenda da família perto de Filadélfia, Audubon residiu, dedicando-se à caça, e ao desenho de aves, formando também o seu depois reconhecido talento de taxidermista. Era sua preocupação encontrar a forma de, em vez de simplesmente empalhar os animais capturados, usar a técnica de armar os cadáveres com arame, permitindo-lhe captar as formas, a textura, a plumagem e as cores e atitudes características das aves—o que lhe seria útil para a sua reprodução o mais fiel possível na pintura.A observação das aves e da natureza ocupou sempre o melhor do seu tempo.Talvez por isso, encontremos nas gravuras deste artista um realismo, um olhar sobre a ave em movimento real, que, sem retirar beleza e engenho artístico, separa o trabalho de Audubon de praticamente tudo o que era habitual na sua época.O seu trabalho, porém, e após numerosas vicissitudes, só teve êxito quando o naturalista decidiu, em 1826, dirigir-se a Inglaterra, onde a atmosfera romântica da época e o desejo de conhecer as belezas de uma América selvagem que brilhava nas imaginações europeias, favoreceu o impacte que as suas representações de aves, cheias de vida e de mistério, vieram a ter.Com a preciosa ajuda de um gravador e impressor londrino, empreende a publicação da sua extraordinária e monumental obra Aves da América (Birds of America, 1827, 87 conjuntos de 435 pranchas.)Com uma primeira tiragem de 200 exemplares em «papel elefante», o trabalho despertou a atenção dos cientistas mas também de um vasto público amador.A última parte desta obra, só veio a ser publicada, em fascículos, em 1838, mas entretanto, em colaboração com o ornitólogo escocês William MacGillivray, que lhe forneceu dados científicos inestimáveis, deu à estampa as célebres Biografias Ornitológicas, em 5 volumes, 1831-39.Com a reputação como artista e naturalista consolidada e conseguido algum sucesso financeiro, Audubon retornou às grandes viagens, tendo regressado à América onde se interessou também pelos mamíferos. Inspirado por uma viagem o Oeste iniciou a sua obra Quadrúpedes Vivíparos da América do Norte, que veio a ser em boa parte completado por dois dos seus filhos. Uma resenha da grande fauna norte-americana, que hoje sobrevive apenas em alguns parques nacionais.Audubon morre em 1851 na cidade de Nova Iorque, com a idade de 65 anos.
Para além da sua obra e do seu legado, e das instituições de estudo e conservação da Natureza que hoje têm o seu nome (como a Audubon Society, incontornável no universo conservacionista americano) merece a pena registar um texto de Audubon, escrito em 1808, de algum modo precursor de preocupações com a já na altura visível destruição da Natureza:«Quando penso nesses tempos e trago à mente a grandeza e beleza destas terras quase inabitadas; quando imagino os densos e elevados cumes da floresta, que por toda a parte se expande pelas colinas, e se inclina sobre as margens da corrente, não molestada pelo machado do colono; quando sei como foi custosamente comprada a navegação desse rio pelo sangue de muitos meritórios habitantes da Virgínia; quando vejo que já não encontramos aí quaisquer aborígenes, e que os vastos rebanhos de alces, veados e búfalos que outrora pastavam nessas colinas e nesses vales, abrindo para si grandes rotas para as várias fontes de água, deixaram de existir; quando reflicto que toda essa grande porção da nossa União, em vez de estar num estado natural, está agora mais ou menos coberto de aldeias, quintas e cidades, onde o ruído dos martelos e da maquinaria se ouvem constantemente; que os bosques estão a desaparecer rapidamente sob o machado de dia e o fogo de noite (…)Quando recordo que essas mudanças extraordinárias se deram todas elas num curto período de vinte anos, paro, admiro-me e embora saiba que tudo isso é um facto, quase não consigo acreditar na sua realidade»
Bernardino Guimarães
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Obrigada, os seus artigos são sempre úteis como exemplo de boas práticas para nós professores. Espero ter um grupo de trabalho no 12º que pretenda trabalhar Área de projecto nesta área.Uma colega já está associada ao projecto Rios.
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