terça-feira, março 17, 2009

a terra sem nós

Não estranhem os leitores o título que escolhi para esta crónica. Um tal dilema pode parecer demasiado simples, ou excessivamente dramático. Bem sei que existe conflito entre essência e urgência, e que tudo parece indicar o caminho do «vamos por partes». Primeiro as finanças mundializadas, que o desvario de uma globalização mal preparada e a deriva da banca delinquente, subitamente revelaram na sua imensa fragilidade. Depois o resto, bradam alguns. Nem sequer ignoro que, em certos meios, banca e planeta são quase sinónimos— a bolsa de valores é a coisa mais próxima de um ecossistema global que conseguem imaginar— é o seu mundo, a sua galáxia pulsante e nevrótica, agora em ritmo depressivo. Mas, e se for necessário pensar nas duas coisas? Melhor, se a crise pudesse ser um bom motivo para mudarmos de vida e de objectivos? A saída do estreito túnel passaria por um «relançamento verde» da economia mundial. O «New Scientist» de Londres acaba de publicar uma extensa matéria sobre esse tema. Pode ler-se aí uma pergunta fundamental: «porque não resolver ao mesmo tempo a crise económica mundial e o problema do aquecimento global? Um investimento massivo nas tecnologias verdes poderia criar fileiras industriais inovadoras e gerar milhões de empregos. A urgência ambiental justifica esta escolha política forte.» A ultrapassagem da era dos combustíveis fósseis, energia renovável e o mais possível descentralizada, o uso racional dos recursos, a regeneração dos ecossistemas, um outro olhar sobre o consumo e suas consequências, a reabilitação das cidades e a protecção da biodiversidade seriam as «empreitadas» vitais a erguer e prosseguir. O recuo táctico dos ministros da União Europeia, que mantiveram o objectivo de reduzir em 20% as emissões de gases com efeito de estufa mas «esburacaram» esse plano com cedências avulsas importantes aos «lobies» da indústria— em nome da competitividade— foi erro grave. Melhor seria exigir à indústria que se reconverta e transforme, produzindo de forma mais limpa e oferecendo produtos com menor «pegada ecológica». Condenar o futuro em nome do presente é egoísmo feito politiquice.


A economia precisa de mais ecologia (mesmo que concedamos ser necessária economia também nas abordagens ecológicas). Como se contabilizam os serviços que os sistemas naturais nos prestam? O papel das florestas na protecção do solo, na manutenção do ciclo da água e captação de carbono? Dos insectos polinizadores na agricultura, das plantas selvagens como recurso genético crucial, da paisagem natural como fonte de saúde e lazer e base do turismo? A falência dos bancos (mesmo dos que apenas especulam com grandes fortunas) pode angustiar…só que a situação conjuntural não nos deveria fazer esquecer o que é estrutural. As mudanças climáticas e o que isso acarreta. A perda de biodiversidade que configura uma nova «era das extinções». Para deter essa crise, estima-se que seria necessário menos do que 1% do PIB mundial. Sim, podemos! (como se disse na campanha de Obama). Sair da crise com mais equidade social e responsabilidade ambiental. De modo que (outra vez o ‘New Scientist») «não utilizemos os recursos naturais mais depressa que a sua capacidade de renovação, não rejeitemos resíduos para lá da capacidade da Natureza de absorvê-los». Infelizmente, ao nível global como local (veja-se o que fazem e não fazem os nossos autarcas) a Natureza conta como «custo». Preservá-la passa por ser um luxo…e essa cegueira persistente faz parte da crise mental e cultural que nos tolhe, neste tempo de encruzilhadas.

Bernardino Guimarães
(Crónica publicada no Jornal de Notícias, 23/12/08)

1 comentário:

  1. A ultrapassagem da era dos combustíveis fósseis, energia renovável e o mais possível descentralizada, o uso racional dos recursos, a regeneração dos ecossistemas, um outro olhar sobre o consumo e suas consequências, a reabilitação das cidades e a protecção da biodiversidade seriam as «empreitadas» vitais a erguer e prosseguir.

    Como o Homem não aprendeu nada!Continua tudo igual.......

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