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quinta-feira, janeiro 06, 2011

EXIGÊNCIA

Agora que começa o novo ano— tão cheio de interrogações— talvez seja útil fixar algumas ideias sobre o que poderia melhorar as coisas à nossa volta, na nossa cidade, no país. Não pode haver democracia sem exigência. Que é outra forma de dizer responsabilidade. A situação dramática de crise, apela ainda com mais força a mudanças essenciais nas atitudes, na forma como concebemos as relações sociais e o nosso papel individual na sociedade. Sabemos que existem, para o cidadão, direitos e deveres. Momentos há em que se acentuam os direitos, quando os vemos ameaçados ou ignorados, outros momentos trazem à tona a necessidade de não esquecermos os deveres. A nossa vida em comum não pode dispensar a luta pelos direitos nem a consciência dos deveres, apesar da famigerada crise de valores e de um certo relativismo que nos anestesia e confunde.
Faz impressão o modo passivo como encaramos o poder (afinal de contas emanação da nossa vontade) e como somos condescendentes com os erros, as mentiras e a incompetência de quem governa. E isto desde o nível local até ao nacional. Claro que os hábitos são o que são, e substitui-se a crítica firme e atempada, frontal e desempoeirada pela maledicência surda dos cafés e do anonimato, pela banalidade do «eles são todos iguais» ou «lá se vão governando». A desconfiança e o veneno da calúnia fácil não resolve nenhum problema, a não ser o da falta de civismo e de responsabilidade que se auto-justifica num genérico e inconsequente ódio aos «que mandam» --como se não fossemos todo responsáveis de algum modo!
Quando os autarcas que elegemos não cumprem as suas promessas, quando se revelam incapazes de garantir a qualidade de vida mínima a que temos direito, raras são as vozes que assinalam a incoerência. Se milhões de euros são gastos na despoluição de um rio e, volvidos anos, nada acontece e o mesmo rio continua sujo e impraticável, poucos se ouvem protestando e…exigindo explicações.
As políticas urbanas, o estado das ruas, a falta de espaços verdes, a má qualidade do ar, a descaracterização das cidades, o favorecimento descarado de grupos económicos e a promiscuidade letal entre política e negócios, a má qualidade de serviços públicos essenciais, são factores de degradação da vida pública que merecem atenção. Estranho é que entre nós, não é costume que os poderes se expliquem e pratiquem transparência nos actos e decisões, nem (o que talvez justifique a despreocupação dos eleitos) isso parece mover a indignação da maioria. Resignação? A falta de civismo e de rigor dominante na sociedade tem duas faces, a da arrogância dos que dirigem e a passividade e conformismo dos dirigidos.
Para o novo ano, precisa-se de um outro sentido de exigência, que em alturas de crise (tanto se fala em rigor e em responsabilidade!) ainda é mais necessária.
A nossa cultura é a do poder que se justifica apenas com a sua própria existência e se legitima com a sua habilidade em perpetuar-se. A maior virtude para um político em funções é «durar», contando com o descaso do cidadão comum, que se limita à raiva impotente da censura e da suspeita geral que, na esfera privada, lança sobre todos os «manda-chuva». Cinismo a mais, civismo a menos!
Triste situação! Como podemos ter melhor democracia, melhor economia, melhor ambiente se não seguimos com atenção o que se passa à nossa volta? Por cá, ninguém é responsável por nada, os erros— mesmo que arruínem o país ou destruam o património que é de todos— nunca têm nome ou nomes, tudo é difuso, escondido, pouco claro.
A exigência, connosco próprios e com os outros, com aqueles a quem confiámos o nosso voto, é uma das peças que faltam para sermos um país que possa olhar-se sem vergonha e com alguma confiança.
Bernardino Guimarães
( Crónica publicada no Jornal de Notícias em 4/1/2011)

terça-feira, março 17, 2009

a terra sem nós

Não estranhem os leitores o título que escolhi para esta crónica. Um tal dilema pode parecer demasiado simples, ou excessivamente dramático. Bem sei que existe conflito entre essência e urgência, e que tudo parece indicar o caminho do «vamos por partes». Primeiro as finanças mundializadas, que o desvario de uma globalização mal preparada e a deriva da banca delinquente, subitamente revelaram na sua imensa fragilidade. Depois o resto, bradam alguns. Nem sequer ignoro que, em certos meios, banca e planeta são quase sinónimos— a bolsa de valores é a coisa mais próxima de um ecossistema global que conseguem imaginar— é o seu mundo, a sua galáxia pulsante e nevrótica, agora em ritmo depressivo. Mas, e se for necessário pensar nas duas coisas? Melhor, se a crise pudesse ser um bom motivo para mudarmos de vida e de objectivos? A saída do estreito túnel passaria por um «relançamento verde» da economia mundial. O «New Scientist» de Londres acaba de publicar uma extensa matéria sobre esse tema. Pode ler-se aí uma pergunta fundamental: «porque não resolver ao mesmo tempo a crise económica mundial e o problema do aquecimento global? Um investimento massivo nas tecnologias verdes poderia criar fileiras industriais inovadoras e gerar milhões de empregos. A urgência ambiental justifica esta escolha política forte.» A ultrapassagem da era dos combustíveis fósseis, energia renovável e o mais possível descentralizada, o uso racional dos recursos, a regeneração dos ecossistemas, um outro olhar sobre o consumo e suas consequências, a reabilitação das cidades e a protecção da biodiversidade seriam as «empreitadas» vitais a erguer e prosseguir. O recuo táctico dos ministros da União Europeia, que mantiveram o objectivo de reduzir em 20% as emissões de gases com efeito de estufa mas «esburacaram» esse plano com cedências avulsas importantes aos «lobies» da indústria— em nome da competitividade— foi erro grave. Melhor seria exigir à indústria que se reconverta e transforme, produzindo de forma mais limpa e oferecendo produtos com menor «pegada ecológica». Condenar o futuro em nome do presente é egoísmo feito politiquice.


A economia precisa de mais ecologia (mesmo que concedamos ser necessária economia também nas abordagens ecológicas). Como se contabilizam os serviços que os sistemas naturais nos prestam? O papel das florestas na protecção do solo, na manutenção do ciclo da água e captação de carbono? Dos insectos polinizadores na agricultura, das plantas selvagens como recurso genético crucial, da paisagem natural como fonte de saúde e lazer e base do turismo? A falência dos bancos (mesmo dos que apenas especulam com grandes fortunas) pode angustiar…só que a situação conjuntural não nos deveria fazer esquecer o que é estrutural. As mudanças climáticas e o que isso acarreta. A perda de biodiversidade que configura uma nova «era das extinções». Para deter essa crise, estima-se que seria necessário menos do que 1% do PIB mundial. Sim, podemos! (como se disse na campanha de Obama). Sair da crise com mais equidade social e responsabilidade ambiental. De modo que (outra vez o ‘New Scientist») «não utilizemos os recursos naturais mais depressa que a sua capacidade de renovação, não rejeitemos resíduos para lá da capacidade da Natureza de absorvê-los». Infelizmente, ao nível global como local (veja-se o que fazem e não fazem os nossos autarcas) a Natureza conta como «custo». Preservá-la passa por ser um luxo…e essa cegueira persistente faz parte da crise mental e cultural que nos tolhe, neste tempo de encruzilhadas.

Bernardino Guimarães
(Crónica publicada no Jornal de Notícias, 23/12/08)