domingo, maio 17, 2009

EDP: LEDOS ENGANOS





Bem sabemos que, na globalizada sociedade de comunicação, a imagem é tudo. Ou pelo menos é muito. Por «imagem» entenda-se a impressão que prevalece, a ideia que nos fica de uma pessoas ou instituição. O cuidado com essa aparência não tem de ser coisa má, e reconhece-se que a comunicação é mesmo uma necessidade nos dias de hoje. Imagem de marca. «Marketing» mais ou menos agressivo. Marqueteiros mais ou menos imaginativos.
Poder de sugestionar.
Mas quando a imagem de uma entidade (projectada com estrondo e alguma arte, despendendo somas estratosféricas) não corresponde em nada com aquilo que se sabe sobre o que a dita entidade faz, quando o que se proclama fica a anos-luz do que realmente é e quer, como havemos de chamar a uma tal projecção? Publicidade enganosa? Dom de iludir, como diz a canção?
A EDP, empresa poderosa e cotada, com vincadas raízes (serão tentáculos?) e avultadíssimos lucros (que bom proveito lhe façam!) inunda-nos literalmente de imagens e sons: na TV, nos jornais, na Internet, na Rádio. Quadros bucólicos embrulham a mensagem esperançosa. Música celestial. Aves que planam sobre paisagens íntegras. No texto de um anúncio lê-se: «a EDP, enquanto líder europeia na construção de nova geração hídrica, já está a fazer a sua parte: criando condições para a conservação da águia-de-Bonelli, da cegonha-preta e do Abutre do Egipto, promovendo a reflorestação…». Fiquemos por aqui! Belo anúncio. Mas não é a mesma EDP que, responsável pela construção da Barragem do Baixo Sabor, da Foz do Tua entre outras, vai destruir irremediavelmente e inundar, os habitats destas mesmas espécies, e de muitas outras? Apetece parar para pensar. Já alguém chamou a esta «campanha de informação» o cúmulo da hipocrisia. Talvez seja também a «lavagem verde» de imagem mais criativa— e despudorada— de sempre. E engenhosa, não há como negá-lo à eléctrica empresa: antecipando problemas, antes que os portugueses dêem conta do valor do que vai ser aniquilado, uma «barragem de contra-propaganda» ofusca as eventuais denúncias. O manto diáfano da fantasia cai, sobre a nudez crua da verdade.
Nenhum preconceito anima este cronista contra a produção hidroeléctrica e as barragens em geral— mas parece ser do senso comum identificar valores que nenhuma geração de electricidade pode negar…às gerações futuras!
A flora, a fauna, a paisagem, os cultivos agrícolas, os bosques, a paisagem, é verdade— não sabem nadar. Mas a EDP sabe produzir propaganda, tanto quanto quilovátios. Pouco importa. Se vão submergir para sempre rios únicos, património natural precioso, conjuntos de biodiversidade e ecossistemas insubstituíveis, até linhas ferroviárias, então mais valia que o fizessem em silêncio. Por respeito. Ou então argumentassem de forma racional. Deixando as águias-de-Bonelli e as cegonhas-pretas no fundo da nossa memória, onde parece que terão, desgraçadamente, derradeiro refúgio.
Bernardino Guimarães
(Crónica radiodifundida pela Antena 1 em 14/5/09)

2 comentários:

  1. Ora cá está mais um asssunto da maior actualidade. É por isso importante trazê-lo à discussão, bem Haja Bernardino Por isso!
    É, a meu ver, perfeitamente inaceitável a campanha feita pela EDP nos espaços televisivos à volta da necessidade de se construirem barragens.
    Não conheço uma única espécie de ave ou mamífero selvagem, que tenha ganho com a construção de uma barragem.
    A produção da campanha custou caro, muito caro ao bolso dos contribuintes. O que é pena é que seja um filme de propaganda, um filme que encobre a realidade muitas vezes desconhecida pelo comum dos telespectadores!
    É triste e revoltante ao mesmo tempo.
    Não temos de pagar coisas destas!!!
    O mais grave é que para os responsáveis governamentais a coisa assim está bem!!!

    Luis Henrique Pereira

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  2. Bela crónica, infelizmente sempre actual!

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