segunda-feira, junho 22, 2009

BRINCAR COM O FOGO

A geral desarrumação do território, facilmente constatável, tem entre nós consequências imprevistas. Os fogos florestais e rurais em plena área urbana ou suburbana manifestaram-se nos últimos anos com incidência e gravidade inusitada – a Área Metropolitana do Porto tem sido afectada seriamente. Quem não se lembra, nos verões passados, das cinzas espalhadas na atmosfera, descendo sobre os engarrafamentos automóveis da cidade Invicta, resíduos incómodos dos incêndios nas matas de Gondomar, de Paredes, de Valongo, de Gaia? Um anel de chamas circundou o Porto há um ano – como as fotografias dos satélites documentam tragicamente.
Essas ocorrências lembram-nos de que existem ainda vastas áreas verdes dentro da urbe, em pleno Grande Porto. E, por outro lado, dão-nos conta de uma dramática acumulação de erros, de imprevidências, de incúrias. Como nos habituamos a não pensar as coisas de forma integrada, podíamos ser tentados a classificar esses fogos como fenómenos isolados, acidentes que o destino nos ofertou, sem remédio nem culpa.
Mas a verdade fala mais alto, apesar de tudo. As imediações rurais ardem porque o território se confundiu entre desordenamento e puro caos – porque em última análise falharam as fórmulas usuais de planeamento urbanístico, ou daquilo que passa com esse nome.
O pior é que, pelo andar da carruagem, nada nos garante que algo tenha mudado. As causas continuam no terreno, firmes como rochas. Ninguém vê que as autarquias tenham mudado de rumo no tocante a permitirem tanta dispersão urbana inútil, tanto avanço da construção sobre o que resta das reservas agrícolas e ecológicas. Quando seria preciso consolidar e melhorar os perímetros urbanos que já existem, em nome de critérios ambientais e de mera racionalidade económica (nem quando o fogo se aproxima de urbanizações densas, nos lembramos disso).
O desprezo pelo mundo rural que subsiste nos interstícios da grande conurbação urbana, não consta que seja menos evidente. E quanto às matas, onde estão, se é que estão, os planos de prevenção e combate, o fomento do associativismo florestal, a penalização do abandono, a eliminação das lixeiras, a punição do foguetório e da churrascada no meio das matas? Nem vale a pena falar da gestão inteligente da floresta, com preferência por espécies menos combustíveis e ecologicamente melhor adaptadas, ou da proibição da construção isolada em áreas florestais – um problema acrescido para quem combate o fogo!
Tudo isso resta por fazer? Bem gostaria de me enganar. Convém dizer-se que, muitas vezes, para alguns autarcas, essas zonas de matos e débil exploração silvícola, pouco mais representam do que locais expectantes, - aguardando o loteamento e a “valorização”. Coisa que verifica não raramente, se pensarmos em extensas áreas bem perto dos grandes núcleos urbanos (por cá, o que é rural só é tolerado no interior do país. No litoral, outros valores se alevantam).
Anunciaram-se novas estratégias, e nova táctica, para o combate aos fogos florestais. Prioridade ao combate em terra e no ar aos fogos nascentes. Mais grupos de sapadores no terreno, com mais meios, em vez de tanto amadorismo e dispersão. Parece ser esse o melhor caminho. Mas pouco se adiantará se, todo o ano, não houver prevenção e antecipação – o que começa e acaba no ordenamento do território.
Essa devia ser tarefa primordial das autarquias e função inalienável da Junta Metropolitana. Estão em causa os pulmões de uma vastíssima zona densamente povoada. Convém que não sejam destruídos, pelo golpe do fogo ou pela voragem do cimento.
Bernardino Guimarães
(Crónica publicada nos idos de 2/5/06 nas páginas acolhedoras do JN.)

1 comentário:

  1. Perfeitamente actual! Sem dúvida! Mas planear e proteger custa dinheiro... sem comentários!

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