sábado, junho 06, 2009

LINNEU

Carl Linneus, nascido Carolus Linnaeus em Rashult, na província de Smaland, no sul da Suécia, a 23 de Maio de 1707 (já lá vão 301 anos) é considerado o pai da «Taxonomia biológica» --dito de outra forma, criou o método sistemático de classificação de todas as espécies conhecidas. Esse método, «a nomenclatura binominal» continua hoje, no essencial, a servir de base a todo o trabalho de agrupar as formas de vida em reinos, classes, famílias, ordens, géneros e espécies, consoante as suas afinidades. Esta metodologia revolucionou o estudo das Ciências Naturais e erigiu um edifício complexo mas que permitiu encontrar um ordenamento para a incrível diversidade da vida, que na época de Linneu ainda ninguém tinha chamado Biodiversidade. Tão pouco havia surgido a teoria evolucionista de Darwin, e muito menos os naturalistas tinham no seu arsenal de meios a genética e as suas conquistas. Sabia-se muito pouco do reino dos microorganismos. Nem o conceito de Ecologia estava ainda disponível na sua forma definitiva.
O agrupamento dos «taxon» (espécies) de Linneu baseava-se, é certo, nas semelhanças morfológicas, no conhecimento incipiente da geografia da distribuição das espécies e em dados empíricos evidentes. Nos dias de hoje, o estudo das afinidades genéticas vai separando, na árvore das formas de vida, ramos que se consideravam próximos mas que os genes desmentem. O contrário também acontece. O estudo do ADN obriga a revisões drásticas da classificação sistemática de muitos « taxon», sem que com isso tenha sido posto em causa o essencial do edifício que Linneu construiu.
Seja como for, Linneu, médico, zoólogo e botânico, viu bem a necessidade de criar ordem na nossa visão do mundo natural, e uma ordem que fosse universal. Esta intenção manifestou-se nas regras, ainda hoje presentes, aquando da classificação de uma espécie. Tomemos o exemplo do lobo da Península Ibérica: obedecendo ao sistema de Linneu, o nome científico é em latim, ou vagamente latinizado. O género, Canis, inicia com letra maiúscula. A espécie, lupus, segue-se com letra minúscula. Se lhe quisermos referir a subespécie ou raça local, acrescentaremos signatus também com letra minúscula. Temos Canis lupus signatus. Esta designação científica será identificável e comum no mundo inteiro, e o sistema que lhe deu origem não pode oferecer dúvidas.
Vistos à distância, os erros cometidos por Linneu no já distante século XVIII impressionam bem menos que o rigor e a clareza dos seus métodos de classificação. Algumas obras que deixou, como a incontornável Systema Naturae (1735) corporizam a ambição do cientista sueco e a sua importância no conhecimento que hoje temos da biodiversidade na Terra.
Mas a toxonomia não esgotou os esforços de Linneu : dedicou-se ao estudo da fauna e flora da Europa e particularmente da Suécia, fez expedições a locais recônditos onde vou e recolheu todas as formas de vida que pôde, criou um núcleo de colaboradores onde se destacaram mais tarde vultos fundamentais das ciências naturais em franco progresso. A sua época foi a das viagens em busca da Natureza, das regiões ainda não assinaladas nos mapas ou pelo menos desconhecidas quanto às espécies que albergavam. O culto crescente da Ciência possibilitava o financiamento de expedições, estudos e publicações. Surgiam as modernas Academias de Ciências ( Linneu ajudou a fundar a da Suécia) e –muito importante—a maior facilidade de deslocação e contacto começou a mundializar a troca de experiências científicas e de ideias que procuravam, como ainda hoje, explicar racionalmente a extrema e fascinante complexidade do mundo vivo.
O naturalista sueco envolveu-se ainda, por exemplo, no desenvolvimento da escala Celsius de temperatura, invertendo a escala que Anders Celsius tinha proposto, e em outros trabalhos científicos constantes numa vida laboriosa e criativa.
Obteve, contrariamente a tantos outros, reconhecimento dos seus méritos em vida— na sua Suécia e fora dela. Alguns dos melhores espíritos da época revelaram a sua admiração por Linneu. Jean-Jacques Rousseau enviou-lhe a mensagem: «diga-lhe que não conheço maior homem no mundo». E mesmo Goethe, este já depois da morte de Linneu, escreveu: «além de Shakespeare e Spinoza, não conheço ninguém entre os que já não se encontram entre nós que me tenha influenciado mais». Carl von Linné (seu nome após a nobilitação real) morreu a 10 de Janeiro de 1778.
Hoje, sabemos que o número de espécies é infinitamente superior ao que Linneu adivinhava, e não cessamos de o reconhecer maior, à medida que se descobrem mais formas de vida que o olhar humano não tinha ainda desvendado. E sabemos, angustiosamente sabemos, que a biodiversidade se encontra ameaçada. Temos classificado e ordenado grande parte do património vivo da Terra. Conhecemos melhor a interacção entre as espécies e entre estas e o conjunto dos ecossistemas onde vivem. Temos consciência da importância dessa riqueza para a nossa própria sobrevivência de Homo sapiens (para usar ainda a classificação de Linneu.) Mas estamos a falhar na tarefa de salvaguardar essa imensa e maravilhosa diversidade. A destruição prossegue, mais rápida e letal do que os esforços de conservação. Perdemos espécies todos os dias, todas as horas. Muitas não pudemos ainda catalogá-las.
Iremos inverter realmente a caminhada para o abismo de um planeta pobre e exausto?
Bernardino Guimarães

1 comentário:

  1. "Esta metodologia revolucionou o estudo das Ciências Naturais e erigiu um edifício complexo mas que permitiu encontrar um ordenamento para a incrível diversidade da vida, que na época de Linneu ainda ninguém tinha chamado Biodiversidade. Tão pouco havia surgido a teoria evolucionista de Darwin, e muito menos os naturalistas tinham no seu arsenal de meios a genética e as suas conquistas."
    É sempre bom ler um belo texto sobre um grande investigador.

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