
A extraordinária riqueza natural e económica dos nossos montados era já na altura reconhecida, sem dúvida. Mas faltavam os instrumentos científicos complexos que permitissem a sua adequada gestão. É a Joaquim Natividade que se ficou a dever esse impulso de indagação e experimentação que nos legou saberes que ainda hoje tomam lugar de referência incontornável para todos os que se interessam pelo montado, pelo sobreiro e pelo mais conhecido dos produtos que nos fornece: a cortiça, uma mais valia que a economia nacional contabiliza mas que práticas desajustadas e insensatas, movidas pela ignorância, podem colocar em risco.
Joaquim Natividade, ao longo de uma longa e singularmente produtiva vida de trabalho, publicou cerca de 300 obras, entre livros, artigos e comunicações científicas, espelhando o seu labor como arboricultor e silvicultor, muito longe da figura do teórico que mal conhece o terreno onde viceja o objecto do seu estudo. Natividade parte sempre do saber de experiência feito e da observação metódica, minuciosa daquilo que investiga.

Joaquim Vieira Natividade preocupava-se com a degradação dos montados, e com as práticas que afectavam os belos conjuntos destes carvalhos: escreveu em 1942: «O processo por que se explora a árvore é único em silvicultura. Despoja-a o Homem de parte desse invólucro suberoso; põe a descoberto tecidos vivos, sem condições de resistência à agressividade do ambiente; destrói as próprias células geradoras de cortiça; e pouco depois, em regiões mais internas do líber, outro câmbio suberoso-felodérmico se forma, e novo invólucro suberoso é regenerado. (…) «A própria mobilização do solo, na aparência benéfica, tem, para a árvore, consequências imprevistas: porque maior agora a produção suberosa, eleva o homem a superfície de descortiçamento, impõe-lhe mais duro trabalho e torna mais agudas as crises por que tem o sobreiro que passar. Dos préstimos da valiosa espécie provêm os seus infortúnios. Dá cortiça e dá carvão; e o subericultor mutila-a barbaramente para obter o maior rendimento lenhoso, despe-a sem piedade para colher mais produção suberosa. Nenhuma outra espécie vegetal é vítima de tantas e tão abomináveis maquinações e torturas.»
Tem ainda hoje interesse a forma como o autor caracterizava o montado:
«O montado, nem é floresta, nem é pomar; constitui perigoso meio-termo que se mantém economicamente de pé enquanto os recursos do solo de todo não se esgotarem e a árvore suportar os vandalismos de uma exploração excessiva. (…) «Montado é portanto, um meio-termo entre floresta e pomar. Não possui o equilíbrio natural daquela, nem o equilíbrio artificial deste. É um edifício que o tempo arruína como frágil construção antinatural.»

Esse perfil de precursor, esse esforço de levar mais longe o que se sabe e o que se faz com o que se sabe, faz de Vieira Natividade uma grande figura, não apenas científica, --marcando uma impressiva obra perene--mas igualmente com lugar entre aqueles maiores que sonharam com um aproveitamento mais racional dos recursos naturais, garantindo a sua existência pujante no futuro.
Joaquim Vieira Natividade nasceu a 22 de Novembro de 1899, em Alcobaça, no seio de uma família com raízes rurais e agrícolas.
Da sua carreira, de tão vasta em realizações e distinções, é difícil resumir e seleccionar factos importantes: em 1930 ingressou na Direcção Geral dos Serviços florestais e Aquícolas, tendo ainda nesse ano tomado posse como director da Estação Experimental do Sobreiro e do Eucalipto, cuja sede passou a ser na sua cidade natal, Alcobaça.
Em 1933 foi admitido «por mérito absoluto» como professor catedrático no ISA— Instituto Superior de Agronomia. Foi investigador e director do Departamento de Pomologia da Estação Agronómica Nacional. Em 1947 foi incumbido de elaborar o «Plano de Fruticultura da Ilha da Madeira.»
Em 1950 elaborou, a pedido da FAO, o «Plano para o Futuro e Defesa da Subericultura Mediterrânea» depois adoptado como programa de trabalho por aquela organização das Nações unidas.
Faleceu a 19 de Novembro de 1968, em Alcobaça.

Nessa pequena mas fascinante obra pode ler-se, sintetizando talvez o pensamento de Natividade:
«Só a admiração comovida pelos valores eternos, pelos bens supremos do espírito que são a fonte inexaurível das verdadeiras riquezas, pode alimentar os ideais de justiça, de generosidade e de amor. Só a existência de um ideal superior de beleza pode criar o desprezo pelo que é falso, reles, efémero, fugaz, por tudo o que perverte, embrutece e dissolve.
O mundo da beleza não é ainda o refúgio das almas tímidas e desiludidas, um retiro de vencidos, entregues ao devaneio estático e estéril. É a forja onde se retemperam as almas para as nobres lutas da vida, e de onde brotará o estímulo para se realizar a tarefa enorme de fazer as sociedades um pouco mais justas, e de tornar mais fortes os débeis laços da solidariedade humana.
(…) Foi Tolstoi quem escreveu que a beleza é na sua essência a vida, e essa beleza reside decerto no indecifrável mistério que encerra, nos seus desígnios inalteráveis e incompreensíveis.
Na vida vegetal, prolonga-se a alarga-se o drama e o mistério da nossa própria vida.»
(…) Num país castigado por uma ardente canícula, dir-se-ia que temos horror à sombra, onde se pediam arvoredos frondosos e acolhedores, o ninho de um oásis a suavizar as inclemências do estio, fizemos terreiros imensos, cruamente ensoalheirados e inóspitos, quando tantos dos nossos monumentos lucrariam com uma nobre moldura vegetal que acarinhasse e aquecesse a frieza da pedra ou por vezes quebrasse, com a cortina da folhagem, a monotonia das grandes massas arquitectónicas e num ou noutro caso escondesse até a sua real pobreza; quando a presença da árvore exaltaria o poder evocador e o poético encanto que emana de tantas ruínas, como é o caso dos templos perdidos nos bosques sagrados da Grécia— nós, pela calada, metodicamente, cinicamente, fomos degolando, mutilando, rapando tudo o que tivesse jeito de árvore para não prejudicar as «vistas», tal como faria qualquer ricaço de letras gordas aos empecilhos que ofuscassem ou escondessem os arrebiques pelintras do seu «chalet». O que haveria a dizer sobre as grandezas e misérias da árvore nas cidades e vilas de Portugal!»
Texto bem actual, legado que não devemos esquecer!
Bernardino Guimarães

O mundo da beleza não é ainda o refúgio das almas tímidas e desiludidas, um retiro de vencidos, entregues ao devaneio estático e estéril. É a forja onde se retemperam as almas para as nobres lutas da vida, e de onde brotará o estímulo para se realizar a tarefa enorme de fazer as sociedades um pouco mais justas, e de tornar mais fortes os débeis laços da solidariedade humana.
ResponderEliminarNada como a beleza na Natureza, animal ou vegetal!
..na vida vegetal, prolonga-se a alarga-se o drama e o mistério da nossa própria vida.»