quarta-feira, junho 03, 2009

UM POUCO DE HISTÓRIA: A COMISSÃO NACIONAL DO AMBIENTE

Se procurarmos fazer a «arqueologia» das políticas ambientais públicas em Portugal, podemos mergulhar fundo e ir longe no passado. Mas em termos do que é a moderna concepção de intervenção do Estado na defesa do ambiente e regulação dos problemas ambientais, é incontornável esta efeméride:
A 19 de Junho de 1971, é publicada a portaria 316/71, que dava existência legal à Comissão Nacional do Ambiente. Criada no âmbito da Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, a estrutura pode considerar-se o primeiro órgão de coordenação de uma política ambiental em Portugal.
Decorria a «primavera marcelista» e os tempos eram de modernização. A gravidade de alguns problemas ambientais no país não podia ser mais ignorada. A pressão de acontecimentos externos também não foi alheia à criação desta comissão. E a verdade é que a primeira missão que lhe foi atribuída foi mesmo a preparação da intervenção portuguesa na Conferência de Estocolmo, que haveria de marcar fundamente a tomada de consciência mundial para o que se designou como «crise ecológica global».
Explica Viriato Soromenho Marques na sua obra «O Futuro Frágil»:
«Apesar de algumas referências a questões ambientais, nomeadamente as constantes no III Plano de Fomento, o primeiro órgão governamental, dedicado à coordenação dos problemas ambientais só será criado na sequência da recepção pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, em Março de 1969, da Nota do Secretário-Geral da ONU dando conta da resolução 2398, aprovada na 23-sessão da Assembleia Geral, que dera início ao processo que conduziria à Conferência das Nações unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento, que terá lugar em Estocolmo em Junho de 1971. O Governo de Marcelo Caetano, isolado na cena internacional, levou a sério o convite.»
O homem que foi escolhido para chefiar a Comissão Nacional do Ambiente, o engenheiro José Correia da Cunha, prosseguiu os seus esforços mesmo depois da Revolução do 25 de Abril— a Comissão foi a partir de1975 integrada no novo Ministério do Equipamento Social e do Ambiente— e pode bem considerar-se uma das personalidades mais importantes dessa fase de implantação das ideias de defesa do ambiente na estrutura sócio-económica e do Estado.
Do trabalho da Comissão— realizado num contexto de pouca ou nenhuma sensibilidade para as questões ambientais, que estavam ainda longe de integrar o discurso político português— deve salientar-se, além da preparação da presença oficial lusa na Conferência de Estocolmo, a concretização de muitos estudos e publicações e o início da inventariação séria dos problemas de Ambiente mais agudos em Portugal, que culminaram na elaboração do primeiro «Relatório Sobre o Estado do Ambiente em Portugal». Este documento, lido hoje, apresenta interesse sobretudo histórico. Convém referir que o seu âmbito incluía não apenas Portugal Continental e as ilhas atlânticas mas igualmente o «vasto império colonial», num conjunto de 2 102 205 km2.
As prioridades definidas apontavam para a necessidade de criação «de um órgão central ao mais alto nível da administração, responsável pela planificação integrada e com poder de decisão» sugerindo assim a instituição de uma tutela governativa.
A hierarquia dos problemas de então é manifestamente datada, mas interessante: Problemas associados ao uso de pesticidas, problemas de contaminação pela radioactividade, poluição das águas e protecção dos animais migradores.
A evolução das políticas ambientais portuguesas no período democrático foi, como não podia deixar de acontecer, assinalável, embora conturbada.
Mas as debilidades não desapareceram, --apesar de avanços consideráveis em certos aspectos--nem foi possível acompanhar, como seria desejável, a evolução que apesar de tudo se verificou em muitos países europeus, onde a força das estruturas governamentais ligadas ao Ambiente é bem mais significativa. Problemas como o ordenamento do território continuam a ser adiados e a conservação da natureza aparece como «parente pobre» quase sempre ignorada. O paradigma do desenvolvimento sustentável, ou durável, (visando conciliar progresso material e a continuidade dos recursos naturais e sistemas vivos) continua longínquo. A secundarização do Ambiente face aos imperativos imediatos da Economia, mantém-se como regra se é que se não tem acentuado nos últimos anos, apesar da adesão ampla de grande parte da opinião pública aos temas ecológicos.
Por isso, importa recordar o momento da criação da primeira Comissão Nacional de Ambiente, inaugurando a presença concreta do ambientalismo nas esferas ambientais.
1971 foi há muito tempo.
Quanto evoluímos em termos de consciência ambiental? O papel do Estado na defesa do ambiente e da qualidade de vida — consagrado na Constituição da República Portuguesa de 1976— exerce-se de facto ou assistimos a uma regressão em prol dos arautos do crescimento económico a todo o custo? A visão curta e parcelar continua a impor-se ao conhecimento global, hipotecando o futuro em nome de lucros de hoje?
Um pouco de História pode talvez ajudar-nos a responder a estas, e a outras perguntas.
Bernardino Guimarães
fotos de: Raízes.e.Asas

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