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quinta-feira, setembro 10, 2009

DISPENSÁVEL

Ao longo desta pré-campanha eleitoral visando as eleições legislativas, em vão procuraremos grandes declarações a propósito de ambiente. Tão pouco as iremos encontrar se lermos os programas eleitorais dos diferentes partidos, ou melhor, não as encontraremos entre as prioridades escolhidas. Talvez esteja a ser injusto, visto que pelo menos há sempre uma mão-cheia de boas propostas e em alguns casos diagnósticos da situação que são correctos e lúcidos.
O que não se vê— ou não se viu até agora, tenhamos esperança—é o ambiente como prioridade no centro daquilo que deveria ser o desenvolvimento do país.
Parece estranho este alheamento. Até porque, pela Europa fora, no mundo, no debate político dos Estados Unidos, por exemplo e depois da mudança que Obama protagonizou, no Japão, onde o novo governo recém-saído das urnas veio apresentar uma proposta de corte radical nas emissões de gases de efeito de estufa e novas políticas energéticas e ambientais— por todo o lado o «desenvolvimento sustentável» está na ordem do dia.
E isso quer dizer que, para sairmos da crise, devemos procurar modelos de desenvolvimento que alterem o cenário e apontem para algo de durável e sólido, que não comprometa o futuro em nome do presente.
Pensar que ambiente é um item secundário, dispensável, que pode esperar enquanto se tenta vencer a crise económica é esquecer que a crise ecológica tem também de ser vencida e ao mesmo tempo, e que é resolvendo ambas que se pode construir o futuro.
Em Portugal, estivemos 4 anos e meio sem ministério do ambiente visível, a não ser para de quando em vez justificar atentados ambientais. Não se fez o que é básico, recuou-se em muito do essencial. Uma legislatura perdida, ou pior. Em proveito da economia? Basta ver onde estamos hoje e que tipo de prosperidade se conseguiu.
É pena que agora governo e oposições pareçam pouco dispostos a mudar de agulha!
Ambiente não é só a acção de um departamento isolado na administração. Teremos de assumir que tudo se relaciona: como pode haver economia saudável com a actual dependência da energia que se compra lá fora? E como resolver isso sem produzir mais e mais energia renovável, mas também apostando na eficiência energética— fazendo o mesmo com menos consumo energético.
E energia quer dizer transportes e mobilidade. Não podemos dizer que somos caso de sucesso em energia renovável e depois termos planos para a construção de milhares de km de auto-estradas, muitas delas inúteis e que terão como consequência o aumento do consumo de petróleo!
Não se pode sustentar um crescimento urbano contínuo que muitos municípios favorecem em prol da especulação imobiliária, mesmo quando 500 000 casas ficam por vender e os centros urbanos das principais cidades caem de podres!
E o mundo rural, a agricultura abandonada, a paisagem degradada que nega o turismo de qualidade, e a água, e uma política que conjugue território, qualidade de vida, energia, consumo e o equilíbrio entre homem e natureza, saúde e emprego assente nas indústrias verdes, nas tarefas de despoluição, restauro dos ecossistemas e reabilitação urbana? Tudo isso é ambiente. Acham os meus ouvintes que se trata mesmo de coisas dispensáveis?
Bernardino Guimarães
(Crónica emitida em Antena 1, «Portugal em directo», 10/9/09)

sexta-feira, junho 19, 2009

LEI DE BASES DO AMBIENTE--22 ANOS DEPOIS

A evolução das políticas de Ambiente em Portugal não foi linear, nem simples. Acompanhou aquilo que foi uma lenta integração, em toda a Europa, das preocupações ambientais na sociedade para o quadro das leis e a esfera do direito. Mas teve aqui dificuldades próprias e ainda hoje se observa uma diferença grande entre o que está instituído na forma e o que é aplicado no concreto.
Pode perguntar-se sobre a utilidade de leis avançadas, quando de facto são muitas vezes ignoradas no quotidiano; mas ninguém nega a importância, como marco histórico, da promulgação da Lei n 11/ 87 de 7 de Abril, a Lei de Bases do Ambiente. Este diploma permitiu que o Estado, a administração pública no seu todo, pudesse incorporar os princípios básicos do ambiente e da sua protecção—e vigora até hoje como a referência fundamental.
Um pouco de contexto histórico: em 1987 a adesão de Portugal à então CEE era ainda recente, havia a necessidade, obrigatória mesmo, de enquadrar progressivamente o adquirido das políticas ambientais comunitárias, o que exigia uma Lei deste tipo.
Cerca de uma década antes, a nova Constituição da República Portuguesa afirmava pela primeira vez a importância do ambiente e do direito a um ambiente equilibrado e saudável. Os esforços para definir uma política pública de Ambiente em Portugal vinham já, é certo, da fase final do anterior regime, com a criação da comissão Nacional do Ambiente e a participação do país na Conferência de Ambiente das Nações Unidas (Estocolmo, 1972).
Pode no entanto dizer-se que foi a integração europeia o motor dessas políticas públicas de ambiente, devido à urgência de integração e transposição para o direito nacional das directivas comunitárias inseridas nos primeiros Planos de Acção da CEE em matéria de ambiente. A Lei de Bases define conceitos básicos, estabelece e enquadra princípios e valores, fixa objectivos e lista de forma geral os valores ambientais que a lei deve proteger: na Lei, são componentes do ambiente: o ar, a luz, a água, o solo vivo e subsolo, a flora e a fauna. Incorpora ainda o que são as normas para a intervenção preventiva e repressiva da administração pública, institui os direitos e deveres dos cidadãos em matérias de Ambiente e remete para posterior legislação e regulamentação as diferentes matérias dispostas na Lei.
Apesar de já na altura serem referidas por alguns debilidades jurídicas no texto da Lei de Bases, esta nunca foi revista e serve ainda de esteio às políticas ambientais.
Curioso é constatar que o tempo se foi encarregando de tornar a Lei 11 de 87 algo «datada»: nela não se faz referência a termos/conceitos como biodiversidade e sustentabilidade, hoje tão presentes, pois a sua difusão e integração no léxico é posterior. Independentemente da necessidade da sua revisão, é a falta de concretização dos seus princípios e normas, 22 anos depois, que impressiona. Navegando à vista, ao sabor de correntes contrárias, com altos e baixos mas demonstrando sempre tendência a ficar secundarizada por outros interesses e propósitos, a política de ambiente em Portugal, se inegavelmente avançou, está ainda hoje numa fase que se diria latente, muito presente no discurso político mas pouco no terreno quotidiano— e não se vê a necessária integração horizontal de políticas. O Ambiente não deve ser um sector da administração confrontado com outros; deveria ser o cerne de medidas harmoniosas entre si para uma sociedade mais equilibrada e sustentável, com mais qualidade de vida, a pensar no presente e no futuro.
Mas essa carência, que parece ainda mais grave nos últimos tempos, com recuos e inoperâncias que julgávamos impossíveis, por vezes em nome da «crise», não é culpa da «velhinha» Lei de Bases que vigora desde a já distante Primavera de 1987!
Bernardino Guimarães
Fotos de Raízes.e.Asas

quarta-feira, junho 03, 2009

UM POUCO DE HISTÓRIA: A COMISSÃO NACIONAL DO AMBIENTE

Se procurarmos fazer a «arqueologia» das políticas ambientais públicas em Portugal, podemos mergulhar fundo e ir longe no passado. Mas em termos do que é a moderna concepção de intervenção do Estado na defesa do ambiente e regulação dos problemas ambientais, é incontornável esta efeméride:
A 19 de Junho de 1971, é publicada a portaria 316/71, que dava existência legal à Comissão Nacional do Ambiente. Criada no âmbito da Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, a estrutura pode considerar-se o primeiro órgão de coordenação de uma política ambiental em Portugal.
Decorria a «primavera marcelista» e os tempos eram de modernização. A gravidade de alguns problemas ambientais no país não podia ser mais ignorada. A pressão de acontecimentos externos também não foi alheia à criação desta comissão. E a verdade é que a primeira missão que lhe foi atribuída foi mesmo a preparação da intervenção portuguesa na Conferência de Estocolmo, que haveria de marcar fundamente a tomada de consciência mundial para o que se designou como «crise ecológica global».
Explica Viriato Soromenho Marques na sua obra «O Futuro Frágil»:
«Apesar de algumas referências a questões ambientais, nomeadamente as constantes no III Plano de Fomento, o primeiro órgão governamental, dedicado à coordenação dos problemas ambientais só será criado na sequência da recepção pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, em Março de 1969, da Nota do Secretário-Geral da ONU dando conta da resolução 2398, aprovada na 23-sessão da Assembleia Geral, que dera início ao processo que conduziria à Conferência das Nações unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento, que terá lugar em Estocolmo em Junho de 1971. O Governo de Marcelo Caetano, isolado na cena internacional, levou a sério o convite.»
O homem que foi escolhido para chefiar a Comissão Nacional do Ambiente, o engenheiro José Correia da Cunha, prosseguiu os seus esforços mesmo depois da Revolução do 25 de Abril— a Comissão foi a partir de1975 integrada no novo Ministério do Equipamento Social e do Ambiente— e pode bem considerar-se uma das personalidades mais importantes dessa fase de implantação das ideias de defesa do ambiente na estrutura sócio-económica e do Estado.
Do trabalho da Comissão— realizado num contexto de pouca ou nenhuma sensibilidade para as questões ambientais, que estavam ainda longe de integrar o discurso político português— deve salientar-se, além da preparação da presença oficial lusa na Conferência de Estocolmo, a concretização de muitos estudos e publicações e o início da inventariação séria dos problemas de Ambiente mais agudos em Portugal, que culminaram na elaboração do primeiro «Relatório Sobre o Estado do Ambiente em Portugal». Este documento, lido hoje, apresenta interesse sobretudo histórico. Convém referir que o seu âmbito incluía não apenas Portugal Continental e as ilhas atlânticas mas igualmente o «vasto império colonial», num conjunto de 2 102 205 km2.
As prioridades definidas apontavam para a necessidade de criação «de um órgão central ao mais alto nível da administração, responsável pela planificação integrada e com poder de decisão» sugerindo assim a instituição de uma tutela governativa.
A hierarquia dos problemas de então é manifestamente datada, mas interessante: Problemas associados ao uso de pesticidas, problemas de contaminação pela radioactividade, poluição das águas e protecção dos animais migradores.
A evolução das políticas ambientais portuguesas no período democrático foi, como não podia deixar de acontecer, assinalável, embora conturbada.
Mas as debilidades não desapareceram, --apesar de avanços consideráveis em certos aspectos--nem foi possível acompanhar, como seria desejável, a evolução que apesar de tudo se verificou em muitos países europeus, onde a força das estruturas governamentais ligadas ao Ambiente é bem mais significativa. Problemas como o ordenamento do território continuam a ser adiados e a conservação da natureza aparece como «parente pobre» quase sempre ignorada. O paradigma do desenvolvimento sustentável, ou durável, (visando conciliar progresso material e a continuidade dos recursos naturais e sistemas vivos) continua longínquo. A secundarização do Ambiente face aos imperativos imediatos da Economia, mantém-se como regra se é que se não tem acentuado nos últimos anos, apesar da adesão ampla de grande parte da opinião pública aos temas ecológicos.
Por isso, importa recordar o momento da criação da primeira Comissão Nacional de Ambiente, inaugurando a presença concreta do ambientalismo nas esferas ambientais.
1971 foi há muito tempo.
Quanto evoluímos em termos de consciência ambiental? O papel do Estado na defesa do ambiente e da qualidade de vida — consagrado na Constituição da República Portuguesa de 1976— exerce-se de facto ou assistimos a uma regressão em prol dos arautos do crescimento económico a todo o custo? A visão curta e parcelar continua a impor-se ao conhecimento global, hipotecando o futuro em nome de lucros de hoje?
Um pouco de História pode talvez ajudar-nos a responder a estas, e a outras perguntas.
Bernardino Guimarães
fotos de: Raízes.e.Asas