Foi há 11 anos que os corações dos amantes da Natureza de Espanha e de todo o mundo bateram acelerados: uma notícia funesta e aterradora começou a difundir-se. A 25 de Abril de 1998, uma represa de 160 ha, contendo perigosamente os dejectos tóxicos da mina de pirites da Aznalcóllar, no sul de Espanha, deu de si. A ruptura de um dos muros de suporte originou uma verdadeira avalanche de venenos, soltos para o ambiente.
Cinco milhões e meios de metros cúbicos de lodos tóxicos e entre 1, 3 e 1, 9 milhões de metros cúbicos de águas ácidas, contendo toda a sorte de metais pesados, verteram para o rio Agrio, um efluente do rio Guadiamar. Em qualquer lugar que fosse, uma tal catástrofe seria grave e ameaçadora.
Mas acontece que a mina e seu reservatório de venenos se situava a escassos 50 km do Parque Nacional de Donãna, um lugar mítico da Natureza na Europa, um dos mais ricos e complexos ecossistemas do velho continente. E acontece também que o rio Guadiamar, por onde lodos e águas contaminadas seguiram o trajecto marcado pela natureza, é um dos principais contribuintes de água para as marismas do Guadalquivir, o coração de Donãna. Enquanto o alarme disparava e o espanto cedia lugar à desolação, os venenos avançavam; seguindo sem barreiras até 62km do curso do Guadiamar, contaminando à sua passagem 4.600 hectares, cobertas por um escuro manto de lodos e detendo-se apenas já nas portas do Parque Nacional, graças a um dique que foi possível reforçar com urgência. A devastação era tremenda. Mas o pior estava para vir: se os lodos se contiveram perto da entrada do Parque (mas recobrindo amplo território da área de protecção adjacente, classificada como Parque Natural) as águas ácidas e letais, essas penetraram até às marismas, esse imenso mundo entre rio e mar, entre terras, areias e marés, onde viceja um dos mais extraordinários santuários de biodiversidade.
Peixes, aves e anfíbios mortos, espalhados ao longo do rio e já em Donãna foram o sinal apenas de que algo de maligno ia começar— e nos próximos dias e semanas haveria de mostrar a sua face terrível. Nesse ano, para dar um exemplo, os gansos selvagens vindos do norte da Europa morreram aos milhares, alguns chegando envenenados à Grã-Bretanha e Escandinávia!
Donãna não é um lugar qualquer: encruzilhada de ecossistemas muito diversos, as suas florestas e matagais, pontuadas de sobreiros gigantescos, abrem para a desmesura das terras húmidas, onde milhões de aves pousam para se alimentarem e criarem, vindas das suas rotas incessantes entre África e a Europa. E os pântanos abrem para o litoral virgem, com as suas dunas móveis que alteram de aspecto consoante a estação do ano. Este é o santuário do lince-ibérico e da águia imperial, antigo couto real de caça dos reis de Espanha, salvo da voracidade turístico/imobiliária pelos esforços de naturalistas do mundo inteiro.
Os seus 50 000 hectares albergam 360 espécies de aves, 127 das quais nidificantes, 37 de mamíferos, 21 de répteis, 11 de anfíbios e 20 de peixes de água doce.
A mina que deu origem ao desastre pertencia, e pertence, à empresa sueca-canadiana Boliden-Apirsa, que nunca assumiu plenamente as suas responsabilidades e que durante anos, antes da tragédia, ignorou soberanamente os avisos repetidos dos ambientalistas. Aliás, a mina lá está 10 anos depois…as ameaças que comporta, embora mitigadas, não se extinguiram.
Este que foi um dos maiores desastres ecológicos em Espanha, acabou por motivar, com rapidez assinalável, uma das mais portentosas operações de limpeza, com centenas de camiões levando terra e lodos contaminados, e milhares de pessoas envolvidas nesses trabalhos de remoção de materiais tóxicos. Após a mortandade, a fauna e flora de Donãna foi-se recompondo, (ainda hoje não totalmente) e Espanha meteu ombros a dois projectos grandiosos, um voltado para ao restauro hidrológico de Donãna e outro de recriação de um corredor ecológico que ligará, através da bacia do Guadiamar, as marismas ao ecossistema da Serra Morena, evitando o crescente efeito de isolamento que afecta a área protegida, encravada entre grandes cidades e infra-estruturas rodoviárias, turísticas e industriais—um projecto pioneiro que bem pode servir como bom exemplo de reabilitação do meio natural.
Entre sequelas e feridas ainda abertas e promessas de futuro radioso, Donãna continua a brilhar e a seduzir. Quanto à imprevidência humana, ter-se-á aprendido alguma coisa?
Bernardino Guimarães
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um projecto pioneiro que bem pode servir como bom exemplo de reabilitação do meio natural.
ResponderEliminarEntre sequelas e feridas ainda abertas e promessas de futuro radioso, Donãna continua a brilhar e a seduzir. Quanto à imprevidência humana, ter-se-á aprendido alguma coisa?
Penso que sim, quem o visita pode confirmar.
Em Portugal, espero o mesmo para o Gerês.