Há poucos dias, entretido com a sucessão de notícias que preenchem (horror ao vazio) o que alguém chamou de «reino da irrelevância», reparei num apontamento sobre o III Fórum Construção, evento que teve lugar em Lisboa e juntou boa parte dos responsáveis do sector respectivo. Aí se dizia que o presidente da ANEOP, (por extenso Associação Nacional de Empreiteiros de Obras Públicas) Filipe Soares Franco, declarou durante a reunião que a indústria da construção tem de alterar «a má imagem que tem perante a sociedade e o mercado». E acrescentou: «somos o sector do betão, das rotundas, das relações promíscuas com as câmaras municipais, com o governo, com os partidos, o sector que foge ao fisco. Temos que mudar esta imagem.» Ora muito bem! Não me cansarei de aplaudir esta proclamação regeneradora, se bem que…não me tivesse apercebido, até agora, que o problema estivesse na imagem. Não sabemos bem o que significa «imagem» no discurso contemporâneo. Sinónimo de «verdade»? Prioridade que dispensa a verdade? Deixemos a filosofia de ocasião; o problema será porventura esclarecer se o citado responsável julga que deve mudar a imagem, ou se pretende mudar a realidade que a justifica. A menos que a imagem projectada esteja mesmo longe da verdade, e então bastaria repor a realidade dos factos!
Confesso que não me decido. Este tipo de declaração poderia bem ser um pré-aviso de mudança. Mas seria necessária uma pequena «revolução».
Se as malfeitorias enunciadas por Soares Franco são frequentemente associadas à actividade da construção civil, de quem será a culpa? Bem gostaria de detectar já alterações positivas, só possíveis juntando esforços e vontades de diversas esferas: mais reabilitação urbana, avanço para a construção sustentável, preocupação com qualidade em vez de quantidade, melhoria do habitat humano assegurando a perenidade do território e dos valores naturais. Eficiência energética, isolamento térmico que dispense tanto ar condicionado, relacionamento claro com os decisores políticos. Fim das negociatas com as mais valias dos terrenos com alteração de uso, transparência cristalina e participação pública nos processos de urbanização e obras públicas, respeito pelas reservas naturais e pelo solo agrícola.
Mas para isso era preciso também um governo que quisesse essa mudança e esse verdadeiro progresso! Quando é preciso que Bruxelas se insurja quando se pretende urbanizar áreas de parque natural e Rede Natura, que se há-de esperar?
Enfim, sonhar é fácil. Já não é mau que os próprios construtores tenham consciência da sombra que os acompanha! E que, ao que me parece, eles próprios «construíram».
A verdade é que o que se conhece das revisões de Planos Directores Municipais, nomeadamente na Área Metropolitana do Porto, não é muito animador.
Previsão de áreas para construção em «alta»! Mesmo com o mercado deprimido e milhares de casa vazias. Mesmo com a proclamada prioridade que é preciso conferir à reconstrução/reabilitação do edificado.
Parece uma pulsão irracional, um impulso para seguir sempre em frente…contra toda a lógica.
Não seria melhor reflectir sobre o modelo de crescimento urbano que temos tido? Parar para pensar?
O que deve ser feito, passa por planeamento intermunicipal e por uma nova forma de encarar o território, a qualidade de vida, a energia e a mobilidade, o bem-estar social e a sustentabilidade. E não esquecer que todos estes factores se relacionam intimamente!
Preocupante não é tanto a imagem da indústria de construção. Preocupante é a imagem (a realidade) do país, da paisagem, das cidades, e a forma como se vai degradando a vida quotidiana das pessoas.
Bernardino Guimarães
(Também saiu da poeira do arquivo Peregrino, já com um ano e tal de de vida, esta crónica publicada originalmente no JN.)
sábado, julho 11, 2009
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