terça-feira, agosto 04, 2009

A BUZINA É A ARMA DO POVO?

Vivemos bem nas nossas cidades? Ou existe, latente, e manifestando-se amiúde, um mal-estar urbano, uma tensão que indica problemas mal resolvidos entre a cidade e os seus habitantes?
Fim de tarde numa artéria do Porto. Tráfego intenso, os automóveis movem-se dificilmente até ao impasse dos semáforos. Ar denso, luz difusa, impaciência dentro dos carros alinhados no asfalto. Quando o verde aparece por fim, alguma hesitação de automobilista, alguma demora ou ligeira inépcia, tem como imediata e geral resposta uma buzinadela intensa, quase insuportável. Hostilidade em decibéis, mais do que pressa. Desconforto, zanga com a vida, mais do que falta de tempo. O nervoso miudinho transmuda-se como que uma raiva surda, solta-se por fim, sob a forma de frequências sonoras agonizantes.
O «claxon» é a arma do povo? A buzina do incivismo pode ser lida como sintoma de ocultas, insidiosas doenças sociais?
Com os ouvidos dormentes, em chiadeira descompensada, penso na futilidade daquela breve batalha de ruídos, coisa de poucos minutos, já tudo se move de novo e flui, a marcha lenta prossegue, o automobilista hesitante ou infeliz foi punido pelo vulgo, seus iguais, com a pena do embaraço.
Mas a intensidade, a violência sublimada naquela manifestação de buzinas impressionou-me. Claro que se repete mil vezes por dia, em mil cruzamentos, à espera das cores mutáveis de mil semáforos.
Vivemos mal nas nossas cidades? Parece que sim, ou então o «hapening» da impaciência de tantos auto-mobilizados, traduzida em surtos de poluição sonora, não tem mesmo sentido nenhum.
Se esta irritação, assim libertada— e tantas vezes que se torna rotina ruidosa— pode ser um sintoma, então qual será a enfermidade?
Deixo a pergunta. Porque entre automobilistas furiosos sem que se saiba ao certo porquê, dentes cerrados, braços caídos sobre a janela do carro, esperando uma brisa que não vem, e o ar que se corta à faca, pleno de cinzentos fumos e de milhões de partículas finas inaláveis que se não vêem, a cidade pulsa!
Urbanismos e sociologias à parte, este cronista, pedonal e pasmado, fica a desejar uma cidade com menos cidadãos coléricos—e com menos automóveis já agora, mesmo que dirigidos por pessoas felizes.
Num momento mais esperançoso ou utópico: uma cidade em que as buzinas não sejam instrumento de vingança contra o que corre mal, ou não corre.
Pelo direito humano ao silêncio. Por amor a uma certa ideia de harmonia, ou, se quiserem, por causa de uma Ecologia nova na cidade, se calhar (tinha de o dizer!) com mais árvores, mais cantos de melro vespertino e menos claxons!
Bernardino Guimarães
(Crónica radiofónica na RDP-Antena 1, em 9/7/09)

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