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quarta-feira, julho 07, 2010

INSUSTENTÁVEL


1)A extraordinária trapalhada das SCUT fez e faz correr rios de tinta. Pena é que o essencial não se discuta, com profundidade, soterrado sob as polémicas que envolvem chips e outras minudências. O essencial neste caso, só pode ser a política de transportes e mobilidade como um todo, desde há anos baseada na rodovia e na auto-estrada em primeiro lugar, praticamente como única forma de circulação e ligação entre cidades e regiões.

Política que quase aniquilou a ferrovia e incentivou o uso do automóvel sem limites. Fruto espúrio do petróleo barato e da demagogia política, impulsionada pelos interesses da construção e imobiliário, esta política desprezou as ligações por estrada « convencional» e deixou crescer a desordem urbanística em volta das estradas nacionais, tornando mais difícil e penosa a sua utilização pelos automobilistas.
Nenhuma preocupação houve com o ordenamento do território, ou com a sustentabilidade de um modo de vida e de transporte que dá como seguro que sempre teremos combustíveis fósseis a preço módico e de acesso fácil—o que é uma clamorosa imprudência.
Também não foi tida em conta a nossa cada vez maior dependência do petróleo importado, com a respectiva factura a agigantar-se na dívida nacional. Menos ainda com as alterações climáticas, um problema que impõe medidas cada vez mais restritivas do uso do automóvel.
As populações foram enganadas. Foi-lhe prometido que teriam auto-estadas ligando tudo a tudo e a nada, e gratuitas; quando a mentira esbarrou na dura realidade das coisas, encontrou-se a solução de penalizar com portagens apenas a Região Norte e o Grande Porto, injustiça que bradava aos céus e não pôde manter-se.
A gratuitidade de infra-estruturas tão caras, em dinheiro e em impacto ambiental, é impossível. E injusta também. Mas os utentes não são os culpados, senão as vítimas de um processo que vem de longe e deriva de opções erradas. Ilusões que, como está à vista, se pagam caras!

2)Longe de mim querer tornar-me repetitivo, mas o tema da eficiência energética revisita-nos amiúde—volta sempre à baila. Desta vez por causa de dois factos: um, a entrevista ao Público de um responsável de política de energia na Comissão Europeia. Disse ele que a primeira prioridade deve ser a redução do consumo e eficiência. O que se tem feito é o contrário: aumenta-se a capacidade instalada das fontes renováveis, o que a prazo resulta no aumento do consumo. Esse círculo vicioso gera um impasse notório. Produzir mais energia renovável é bom; mas fazê-lo para o desperdício é irracional e negativo. Uma tal contradição tem de ser resolvida—porque o crescimento dos gastos energéticos, apesar da severa depressão económica, revela um mundo de ineficiência, que empobrece o país e leva a escolhas erradas—como a construção de barragens em locais preciosos pela biodiversidade que albergam.
O citado responsável europeu disse também que 40% da energia europeia é gasta nos edifícios—o que nos diz o quanto é importante mudar as coisas no sector da habitação e escritórios.
E ainda: um estudo recente dá-nos conta de que os edifícios do Estado gastam cerca de 500 milhões de euros em energia por ano. Somada esta cifra à iluminação pública, o peso na factura eléctrica nacional ronda os 9%--e tem crescido mais do que o dobro da média nacional nos últimos anos!
É caso para dizer que o Estado dá o mau exemplo, com a evidência destes números espantosos, perdendo a autoridade com que deveria exigir rigor e boas práticas aos privados e simples cidadãos. Uma vergonha insustentável!
Bernardino Guimarães
( Crónica saída no JN em 6/7/10)

terça-feira, agosto 04, 2009

A BUZINA É A ARMA DO POVO?

Vivemos bem nas nossas cidades? Ou existe, latente, e manifestando-se amiúde, um mal-estar urbano, uma tensão que indica problemas mal resolvidos entre a cidade e os seus habitantes?
Fim de tarde numa artéria do Porto. Tráfego intenso, os automóveis movem-se dificilmente até ao impasse dos semáforos. Ar denso, luz difusa, impaciência dentro dos carros alinhados no asfalto. Quando o verde aparece por fim, alguma hesitação de automobilista, alguma demora ou ligeira inépcia, tem como imediata e geral resposta uma buzinadela intensa, quase insuportável. Hostilidade em decibéis, mais do que pressa. Desconforto, zanga com a vida, mais do que falta de tempo. O nervoso miudinho transmuda-se como que uma raiva surda, solta-se por fim, sob a forma de frequências sonoras agonizantes.
O «claxon» é a arma do povo? A buzina do incivismo pode ser lida como sintoma de ocultas, insidiosas doenças sociais?
Com os ouvidos dormentes, em chiadeira descompensada, penso na futilidade daquela breve batalha de ruídos, coisa de poucos minutos, já tudo se move de novo e flui, a marcha lenta prossegue, o automobilista hesitante ou infeliz foi punido pelo vulgo, seus iguais, com a pena do embaraço.
Mas a intensidade, a violência sublimada naquela manifestação de buzinas impressionou-me. Claro que se repete mil vezes por dia, em mil cruzamentos, à espera das cores mutáveis de mil semáforos.
Vivemos mal nas nossas cidades? Parece que sim, ou então o «hapening» da impaciência de tantos auto-mobilizados, traduzida em surtos de poluição sonora, não tem mesmo sentido nenhum.
Se esta irritação, assim libertada— e tantas vezes que se torna rotina ruidosa— pode ser um sintoma, então qual será a enfermidade?
Deixo a pergunta. Porque entre automobilistas furiosos sem que se saiba ao certo porquê, dentes cerrados, braços caídos sobre a janela do carro, esperando uma brisa que não vem, e o ar que se corta à faca, pleno de cinzentos fumos e de milhões de partículas finas inaláveis que se não vêem, a cidade pulsa!
Urbanismos e sociologias à parte, este cronista, pedonal e pasmado, fica a desejar uma cidade com menos cidadãos coléricos—e com menos automóveis já agora, mesmo que dirigidos por pessoas felizes.
Num momento mais esperançoso ou utópico: uma cidade em que as buzinas não sejam instrumento de vingança contra o que corre mal, ou não corre.
Pelo direito humano ao silêncio. Por amor a uma certa ideia de harmonia, ou, se quiserem, por causa de uma Ecologia nova na cidade, se calhar (tinha de o dizer!) com mais árvores, mais cantos de melro vespertino e menos claxons!
Bernardino Guimarães
(Crónica radiofónica na RDP-Antena 1, em 9/7/09)