A nossa paisagem modificou-se, o perfil de cidades e vilas foi profundamente alterado. Estas últimas décadas foram de ilusão de prosperidade e de oportunidades desaproveitadas, como bem sabemos. Dessa euforia mal orientada, ou perversamente instilada, ficaram marcas visíveis até do espaço, porque alguns satélites podem registar imagens impressivas do que foi a «obra feita» um pouco por todo o lado. As rotundas são a marca e a expressão de um certo tipo de mentalidade e também de uma certa forma de gastar os dinheiros públicos. Proliferam, são milhares, pontuam todo o território urbano e suburbano, e nelas, nesses círculos fatais da nossa idade, se investiu boa parte da criatividade e do esforço de muita gente. Os autarcas competem pelo maior número, profusão e grandeza das suas rotundas. Os automobilistas fizeram delas o seu recreio permanente. Como instrumentos de ordenamento do tráfego, ou como adornos indispensáveis a uma terra com orgulho, as rotundas transformaram-se no mais marcante dos sinais de «progresso» avassalando a paisagem portuguesa. Os sociólogos, ou os psicólogos, mais do que os engenheiros de trânsito, poderão, se o quiserem, retirar desta obsessão pelo redondo movente, as ilações mais esclarecedoras. Limitemo-nos por agora a contemplá-las: está ali, no exagero e na multiplicação por cópia, um dos ícones do que foi o nosso «modelo de desenvolvimento». As auto-estradas também fazem parte do Portugal moderno. O gosto atávico pelo perigo insensato ou mera inconsciência fazem delas o palco de inúmeras tragédias, apesar de a sua construção ter tido como objecto a maior segurança rodoviária. Não contentes em traçar e executar as rodovias indispensáveis, ligando os principais eixos do território, deixando uma importante função para o transporte ferroviário e melhorando as estradas «convencionais», resolveu-se que isso seria pouco para tamanha ambição e génio das grandezas. Cobriu-se o país de asfalto, aumentando a dependência do automóvel e o consumo de combustível. Não se desenvolveu o interior, que bem precisaria de um esforço nesse sentido, mas acentuou-se a tendência de êxodo para as grandes metrópoles do litoral.
Hoje muitas auto-estradas raramente atraem trânsito assinalável e podemos orgulhar-nos das duas ligações paralelas Porto-Lisboa, separadas apenas por alguns quilómetros, proeza rara que não ostenta nenhum dos países europeus mais ricos e desenvolvidos. O abandono da ferrovia foi o contraponto a esta outra mania onde se dilapidaram centenas de milhões, saídos já do bolso do Estado ou aguardando a factura pesada que virá das «parcerias público-privadas»
Em vez de pequenas barragens que retivessem a água e tivessem impacto na agricultura local, optou-se mais uma vez pelo gigantismo: imensas represas inundam paisagens e ecossistemas únicos.
Outros exemplos poderiam ser trazidos à colação, todos neste sentido da obra faraónica ou para encher o olho, da falta de sentido global e de prioridades de acção conducentes ao bem comum.
Agora chegou o tempo de pagarmos a conta; a festa durou bastante mas dela ficou pouca coisa de positivo.
Se pensarmos que as escolas recentemente remodeladas, a cargo de uma empresa pública, passaram a consumir até três vezes mais energia do que antes, a ponto de as mesmas escolas estarem com dificuldades em pagar as contas ao fim do mês, que se há-de concluir? Ninguém na Parque Escolar EPE ouviu falar de eficiência energética, de poupança de recursos?
Mudar de vida, como diz a cantiga. Ou não se verá tão cedo a luz ao fundo do túnel onde se atolou Portugal, multissecular e hoje insustentável.
Bernardino Guimarães
(Crónica publicada em Jornal de Notícias, 27/4/2011)
Mostrar mensagens com a etiqueta insustentabilidade. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta insustentabilidade. Mostrar todas as mensagens
quarta-feira, abril 27, 2011
quarta-feira, julho 07, 2010
INSUSTENTÁVEL
1)A extraordinária trapalhada das SCUT fez e faz correr rios de tinta. Pena é que o essencial não se discuta, com profundidade, soterrado sob as polémicas que envolvem chips e outras minudências. O essencial neste caso, só pode ser a política de transportes e mobilidade como um todo, desde há anos baseada na rodovia e na auto-estrada em primeiro lugar, praticamente como única forma de circulação e ligação entre cidades e regiões.
Política que quase aniquilou a ferrovia e incentivou o uso do automóvel sem limites. Fruto espúrio do petróleo barato e da demagogia política, impulsionada pelos interesses da construção e imobiliário, esta política desprezou as ligações por estrada « convencional» e deixou crescer a desordem urbanística em volta das estradas nacionais, tornando mais difícil e penosa a sua utilização pelos automobilistas.
Nenhuma preocupação houve com o ordenamento do território, ou com a sustentabilidade de um modo de vida e de transporte que dá como seguro que sempre teremos combustíveis fósseis a preço módico e de acesso fácil—o que é uma clamorosa imprudência.
Também não foi tida em conta a nossa cada vez maior dependência do petróleo importado, com a respectiva factura a agigantar-se na dívida nacional. Menos ainda com as alterações climáticas, um problema que impõe medidas cada vez mais restritivas do uso do automóvel.
As populações foram enganadas. Foi-lhe prometido que teriam auto-estadas ligando tudo a tudo e a nada, e gratuitas; quando a mentira esbarrou na dura realidade das coisas, encontrou-se a solução de penalizar com portagens apenas a Região Norte e o Grande Porto, injustiça que bradava aos céus e não pôde manter-se.
A gratuitidade de infra-estruturas tão caras, em dinheiro e em impacto ambiental, é impossível. E injusta também. Mas os utentes não são os culpados, senão as vítimas de um processo que vem de longe e deriva de opções erradas. Ilusões que, como está à vista, se pagam caras!
2)Longe de mim querer tornar-me repetitivo, mas o tema da eficiência energética revisita-nos amiúde—volta sempre à baila. Desta vez por causa de dois factos: um, a entrevista ao Público de um responsável de política de energia na Comissão Europeia. Disse ele que a primeira prioridade deve ser a redução do consumo e eficiência. O que se tem feito é o contrário: aumenta-se a capacidade instalada das fontes renováveis, o que a prazo resulta no aumento do consumo. Esse círculo vicioso gera um impasse notório. Produzir mais energia renovável é bom; mas fazê-lo para o desperdício é irracional e negativo. Uma tal contradição tem de ser resolvida—porque o crescimento dos gastos energéticos, apesar da severa depressão económica, revela um mundo de ineficiência, que empobrece o país e leva a escolhas erradas—como a construção de barragens em locais preciosos pela biodiversidade que albergam.
O citado responsável europeu disse também que 40% da energia europeia é gasta nos edifícios—o que nos diz o quanto é importante mudar as coisas no sector da habitação e escritórios.
E ainda: um estudo recente dá-nos conta de que os edifícios do Estado gastam cerca de 500 milhões de euros em energia por ano. Somada esta cifra à iluminação pública, o peso na factura eléctrica nacional ronda os 9%--e tem crescido mais do que o dobro da média nacional nos últimos anos!
É caso para dizer que o Estado dá o mau exemplo, com a evidência destes números espantosos, perdendo a autoridade com que deveria exigir rigor e boas práticas aos privados e simples cidadãos. Uma vergonha insustentável!
Bernardino Guimarães
( Crónica saída no JN em 6/7/10)
quinta-feira, abril 22, 2010
A QUERCUS, SOBRE O DIA DA TERRA
4 décadas põem a nu a insustentabilidade da espécie humana
Quercus alerta para o défice ecológico de Portugal.
A Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza junta-se a milhares de outras organizações para, em 2010, assinalar, pela quadragésima vez, o Dia da Terra.
Infelizmente, quatro décadas passadas desde o momento em que se designou internacionalmente um dia para celebrar o Planeta Terra, os dados indicam que o caminho percorrido não tem ido no bom sentido e a nossa capacidade de conhecer e respeitar os limites da sustentabilidade do Planeta não tem progredido.
Portugal, para além do défice económico, tem também problemas sérios com o défice ecológico. O
panorama global
Os dados mais recentes apontam para o facto de, enquanto civilização humana, estarmos prestes a causar um cataclismo de magnitude planetária, de que as alterações climáticas são apenas um dos sintomas. O actual sistema de produção e consumo intensivos pode ser comparado à imagem de um cometa em rota de colisão com o Planeta Terra. Para já estamos a sentir apenas a chegada de pequenos fragmentos que acompanham o cometa principal. Contudo, a aproximação é rápida, pelo que o tempo para reagir começa a escassear.
Alguns dados de contexto:
— A pegada ecológica global excede em cerca de 40% a capacidade de carga do Planeta, pelo que precisaríamos de 1,4 planetas para suprir todas as necessidades actuais, sem afectar o equilibrio do planeta;
— Mais de ¾ da população mundial vive em países em débito ecológico (biocapacidade abaixo das necessidades, ou seja, não conseguem produzir dentro das suas fronteiras os recursos que consomem, nem desfazer-se dos resíduos que produzem);
— A pegada ecológica do cidadão europeu ocupa, em média, 4,6 hectares globais e a de um cidadão dos EUA 9,6 hectares globais (tendo presente que a disponibilidade global é de 1,8 hectares globais per capita);
— Este desrespeito pelos limites do planeta Terra acontece quando apenas mil milhões de pessoas têm uma vida abastada, mil a dois mil milhões vivem em economias de transição e cerca de três a quatro mil milhões sobrevivem com apenas alguns euros por dia;
— Considerando que a população mundial em 2050 terá previsivelmente crescido dos actuais 6 mil milhões para 9 mil milhões, para que consigamos viver dentro dos limites do planeta será necessário que:
— Os cidadãos europeus reduzam a sua pegada ecológica para 25% da actual
— Os cidadãos dos EUA reduzam a sua pegada ecológica para 10% da actual.
O défice ecológico nacional
Segundo dados de 2009, Portugal apresenta uma pegada ecológica de 4,4 hectares globais per capita (hg/per capita), tendo uma biocapacidade de apenas 1,2 hg/per capita. Em suma, o défice português é de cerca de 3,2 hg/per capita, ou seja, a pegada ecológica nacional está mais de 70% acima da nossa capacidade produtiva e de processamento dos resíduos que produzimos.
Se todos os países do mundo apresentassem esta pegada, seriam necessários 2,5 planetas. Como só temos um planeta à disposição, é urgente alterar a forma como nos relacionamos com o ambiente que nos rodeia.
O contributo de cada um de nós
Todos podemos e devemos ser agentes de mudança e promotores de um desenvolvimento sustentável nos diversos contextos da nossa vida, enquanto filhos, educadores, profissionais, amigos, vizinhos, etc.. Abdicar desse papel equivalerá a contribuir directamente para a manutenção da abordagem que nos conduziu à presente situação de desequilíbrio. E este é um cenário em que todos perdem e, logo, a evitar a todo o custo. Aqui ficam algumas propostas:
- Reduzir o consumo de carne proveniente da produção intensiva e consequentemente preferir alimentos de origem vegetal (frutas, legumes, cereais e leguminosas)
- Preferir alimentos produzidos em modo biológico ou biodinâmico
- Não adquirir animais ou produtos de animais em vias de extinção
- Plantar espécies autóctones
- Poupar água
- Reduzir o consumo de energia
- Pensar muito bem antes de comprar um qualquer bem ou serviço (reflectir sobre a sua necessidade, utilidade e impacto em termos de sustentabilidade – gasto de recursos, poluição e impacto no fim da vida, condições sociais em que foi produzido)
- Preferir produtos nacionais
- Andar a pé, de bicicleta e de transportes públicos;
- Respeitar os mesmos princípios em qualquer contexto: trabalho, escola, férias, etc.
- Exigir que os nossos representantes políticos assumam políticas que promovam a sustentabilidade
- Exigir que as empresas disponibilizem produtos e serviços mais sustentáveis e que o comprovem através de certificações independentes
São apenas alguns exemplos do muito que qualquer cidadão comum pode fazer para ajudar o Planeta que é a NOSSA CASA COMUM!
Definições
Pegada ecológica - procura medir a área de solo e de água que a população humana necessita para produzir ou albergar os recursos que consome e para absorver os resíduos que são produzidos
Biocapacidade – capacidade dos ecossistemas de uma dada região ou país para produzir material biológico e para absorver os resíduos produzidos pela espécie humana
Fonte: http://www.footprintnetwork.org/
Lisboa, 22 de Abril de 2010
A Direcção Nacional da Quercus - ANCN
Subscrever:
Mensagens (Atom)