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sexta-feira, setembro 24, 2010

MOBILIDADE

A Semana da Mobilidade terminou ontem. Evento internacional com expressão nas cidades portuguesas, destina-se a chamar a atenção para a necessidade de encontrar soluções equilibradas quanto ao direito a deslocarmo-nos, incluindo a reflexão sobre o problema do automóvel. Sim, porque o automóvel, esse símbolo do progresso e da autonomia individual, como tal tido ao longo de muitas décadas, tornou-se parte do problema. Hoje o que se discute é a forma, ou as formas, de salvar as cidades do domínio do automóvel. Muitas cidades e aglomerações metropolitanas na Europa e um pouco por todo o mundo, discutem e põem em prática planos de promoção dos transportes públicos, com os correspondentes investimentos, e procuram incentivar o cidadão a usar a bicicleta e também os próprios pés, sempre que possível, em nome do bem estar das cidades e da saúde das pessoas.
Em Portugal parece que custa chegar a esse patamar de consciência, a essa esfera de acção. Por via da nossa pobreza, descobrimos tarde e mal o gosto pelo automóvel, e talvez por isso ainda associamos o transporte individual ao conforto, à liberdade pessoal e até ao prestígio social. Enquanto os homens de negócios e os políticos de muitos países europeus se deslocam diariamente de bicicleta, de autocarro ou a pé, por cá ainda parece bem exibir o carro como símbolo de riqueza e de posição. Deve ser, em parte, por causa disso que as cidades se enchem de automóveis, asfixiando-se numa selva de buzinas e de fumo, sem espaço para nada, para as pessoas, para o passeio, para uma vida saudável e convivial. Deve ser por isso, também, que centenas de pequenos e grandes responsáveis políticos eleitos—desde os vereadores dos municípios aos ministros do poder central-- se locomovem a bordo de belos carros pretos, despesismo exibicionista e inútil que todos aceitamos como normal—mas que faz parte de uma quotidiana e amarga liturgia de sagração do poder. Muito pouco democrático, na realidade. E péssimo exemplo!
Claro que o combate ao excesso de automóveis se deverá fazer em nome da qualidade de vida, por cidades onde seja possível e valha a pena viver. Os engarrafamentos são uma monstruosa perda de tempo na vida de cada um; um imenso e chocante desperdício de energia, com a consequente poluição global e local—Lisboa e Porto acusam indíces de contaminação do ar que deveriam preocupar-nos, porque se trata de um problema real de saúde pública.
Não adianta é diabolizar o automóvel e ainda menos os que o utilizam. Para que deixem de o fazer na medida do possível, é essencial que haja alternativas, e que essas alternativas, os diferentes modos de transporte público, sejam coordenadas para que se complementem da maneira mais eficiente e mais racional.
Cabe perguntar o que é feito das Autoridades Metropolitanas de Transportes, prometidas há muitos anos e nunca postas a funcionar, justamente para fazer essa coordenação?
Não há cidades habitáveis e atraentes onde falte mobilidade para todos, sem excepção. O ruído, a sujidade do ar, o clima, a carência de espaço para jardins e ruas pedonais, a infernal trama do trânsito caótico, tudo isso pede respostas claras, discutidas, concretas. Estamos tão longe disso!!
Bernardino Guimarães
( Crónica para Antena 1, em 23/9/2010)

quarta-feira, julho 07, 2010

INSUSTENTÁVEL


1)A extraordinária trapalhada das SCUT fez e faz correr rios de tinta. Pena é que o essencial não se discuta, com profundidade, soterrado sob as polémicas que envolvem chips e outras minudências. O essencial neste caso, só pode ser a política de transportes e mobilidade como um todo, desde há anos baseada na rodovia e na auto-estrada em primeiro lugar, praticamente como única forma de circulação e ligação entre cidades e regiões.

Política que quase aniquilou a ferrovia e incentivou o uso do automóvel sem limites. Fruto espúrio do petróleo barato e da demagogia política, impulsionada pelos interesses da construção e imobiliário, esta política desprezou as ligações por estrada « convencional» e deixou crescer a desordem urbanística em volta das estradas nacionais, tornando mais difícil e penosa a sua utilização pelos automobilistas.
Nenhuma preocupação houve com o ordenamento do território, ou com a sustentabilidade de um modo de vida e de transporte que dá como seguro que sempre teremos combustíveis fósseis a preço módico e de acesso fácil—o que é uma clamorosa imprudência.
Também não foi tida em conta a nossa cada vez maior dependência do petróleo importado, com a respectiva factura a agigantar-se na dívida nacional. Menos ainda com as alterações climáticas, um problema que impõe medidas cada vez mais restritivas do uso do automóvel.
As populações foram enganadas. Foi-lhe prometido que teriam auto-estadas ligando tudo a tudo e a nada, e gratuitas; quando a mentira esbarrou na dura realidade das coisas, encontrou-se a solução de penalizar com portagens apenas a Região Norte e o Grande Porto, injustiça que bradava aos céus e não pôde manter-se.
A gratuitidade de infra-estruturas tão caras, em dinheiro e em impacto ambiental, é impossível. E injusta também. Mas os utentes não são os culpados, senão as vítimas de um processo que vem de longe e deriva de opções erradas. Ilusões que, como está à vista, se pagam caras!

2)Longe de mim querer tornar-me repetitivo, mas o tema da eficiência energética revisita-nos amiúde—volta sempre à baila. Desta vez por causa de dois factos: um, a entrevista ao Público de um responsável de política de energia na Comissão Europeia. Disse ele que a primeira prioridade deve ser a redução do consumo e eficiência. O que se tem feito é o contrário: aumenta-se a capacidade instalada das fontes renováveis, o que a prazo resulta no aumento do consumo. Esse círculo vicioso gera um impasse notório. Produzir mais energia renovável é bom; mas fazê-lo para o desperdício é irracional e negativo. Uma tal contradição tem de ser resolvida—porque o crescimento dos gastos energéticos, apesar da severa depressão económica, revela um mundo de ineficiência, que empobrece o país e leva a escolhas erradas—como a construção de barragens em locais preciosos pela biodiversidade que albergam.
O citado responsável europeu disse também que 40% da energia europeia é gasta nos edifícios—o que nos diz o quanto é importante mudar as coisas no sector da habitação e escritórios.
E ainda: um estudo recente dá-nos conta de que os edifícios do Estado gastam cerca de 500 milhões de euros em energia por ano. Somada esta cifra à iluminação pública, o peso na factura eléctrica nacional ronda os 9%--e tem crescido mais do que o dobro da média nacional nos últimos anos!
É caso para dizer que o Estado dá o mau exemplo, com a evidência destes números espantosos, perdendo a autoridade com que deveria exigir rigor e boas práticas aos privados e simples cidadãos. Uma vergonha insustentável!
Bernardino Guimarães
( Crónica saída no JN em 6/7/10)