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quarta-feira, abril 27, 2011

O PAÍS DAS ROTUNDAS

A nossa paisagem modificou-se, o perfil de cidades e vilas foi profundamente alterado. Estas últimas décadas foram de ilusão de prosperidade e de oportunidades desaproveitadas, como bem sabemos. Dessa euforia mal orientada, ou perversamente instilada, ficaram marcas visíveis até do espaço, porque alguns satélites podem registar imagens impressivas do que foi a «obra feita» um pouco por todo o lado. As rotundas são a marca e a expressão de um certo tipo de mentalidade e também de uma certa forma de gastar os dinheiros públicos. Proliferam, são milhares, pontuam todo o território urbano e suburbano, e nelas, nesses círculos fatais da nossa idade, se investiu boa parte da criatividade e do esforço de muita gente. Os autarcas competem pelo maior número, profusão e grandeza das suas rotundas. Os automobilistas fizeram delas o seu recreio permanente. Como instrumentos de ordenamento do tráfego, ou como adornos indispensáveis a uma terra com orgulho, as rotundas transformaram-se no mais marcante dos sinais de «progresso» avassalando a paisagem portuguesa. Os sociólogos, ou os psicólogos, mais do que os engenheiros de trânsito, poderão, se o quiserem, retirar desta obsessão pelo redondo movente, as ilações mais esclarecedoras. Limitemo-nos por agora a contemplá-las: está ali, no exagero e na multiplicação por cópia, um dos ícones do que foi o nosso «modelo de desenvolvimento». As auto-estradas também fazem parte do Portugal moderno. O gosto atávico pelo perigo insensato ou mera inconsciência fazem delas o palco de inúmeras tragédias, apesar de a sua construção ter tido como objecto a maior segurança rodoviária. Não contentes em traçar e executar as rodovias indispensáveis, ligando os principais eixos do território, deixando uma importante função para o transporte ferroviário e melhorando as estradas «convencionais», resolveu-se que isso seria pouco para tamanha ambição e génio das grandezas. Cobriu-se o país de asfalto, aumentando a dependência do automóvel e o consumo de combustível. Não se desenvolveu o interior, que bem precisaria de um esforço nesse sentido, mas acentuou-se a tendência de êxodo para as grandes metrópoles do litoral.
Hoje muitas auto-estradas raramente atraem trânsito assinalável e podemos orgulhar-nos das duas ligações paralelas Porto-Lisboa, separadas apenas por alguns quilómetros, proeza rara que não ostenta nenhum dos países europeus mais ricos e desenvolvidos. O abandono da ferrovia foi o contraponto a esta outra mania onde se dilapidaram centenas de milhões, saídos já do bolso do Estado ou aguardando a factura pesada que virá das «parcerias público-privadas»
Em vez de pequenas barragens que retivessem a água e tivessem impacto na agricultura local, optou-se mais uma vez pelo gigantismo: imensas represas inundam paisagens e ecossistemas únicos.
Outros exemplos poderiam ser trazidos à colação, todos neste sentido da obra faraónica ou para encher o olho, da falta de sentido global e de prioridades de acção conducentes ao bem comum.
Agora chegou o tempo de pagarmos a conta; a festa durou bastante mas dela ficou pouca coisa de positivo.
Se pensarmos que as escolas recentemente remodeladas, a cargo de uma empresa pública, passaram a consumir até três vezes mais energia do que antes, a ponto de as mesmas escolas estarem com dificuldades em pagar as contas ao fim do mês, que se há-de concluir? Ninguém na Parque Escolar EPE ouviu falar de eficiência energética, de poupança de recursos?
Mudar de vida, como diz a cantiga. Ou não se verá tão cedo a luz ao fundo do túnel onde se atolou Portugal, multissecular e hoje insustentável.
Bernardino Guimarães
(Crónica publicada em Jornal de Notícias, 27/4/2011)

quarta-feira, julho 07, 2010

INSUSTENTÁVEL


1)A extraordinária trapalhada das SCUT fez e faz correr rios de tinta. Pena é que o essencial não se discuta, com profundidade, soterrado sob as polémicas que envolvem chips e outras minudências. O essencial neste caso, só pode ser a política de transportes e mobilidade como um todo, desde há anos baseada na rodovia e na auto-estrada em primeiro lugar, praticamente como única forma de circulação e ligação entre cidades e regiões.

Política que quase aniquilou a ferrovia e incentivou o uso do automóvel sem limites. Fruto espúrio do petróleo barato e da demagogia política, impulsionada pelos interesses da construção e imobiliário, esta política desprezou as ligações por estrada « convencional» e deixou crescer a desordem urbanística em volta das estradas nacionais, tornando mais difícil e penosa a sua utilização pelos automobilistas.
Nenhuma preocupação houve com o ordenamento do território, ou com a sustentabilidade de um modo de vida e de transporte que dá como seguro que sempre teremos combustíveis fósseis a preço módico e de acesso fácil—o que é uma clamorosa imprudência.
Também não foi tida em conta a nossa cada vez maior dependência do petróleo importado, com a respectiva factura a agigantar-se na dívida nacional. Menos ainda com as alterações climáticas, um problema que impõe medidas cada vez mais restritivas do uso do automóvel.
As populações foram enganadas. Foi-lhe prometido que teriam auto-estadas ligando tudo a tudo e a nada, e gratuitas; quando a mentira esbarrou na dura realidade das coisas, encontrou-se a solução de penalizar com portagens apenas a Região Norte e o Grande Porto, injustiça que bradava aos céus e não pôde manter-se.
A gratuitidade de infra-estruturas tão caras, em dinheiro e em impacto ambiental, é impossível. E injusta também. Mas os utentes não são os culpados, senão as vítimas de um processo que vem de longe e deriva de opções erradas. Ilusões que, como está à vista, se pagam caras!

2)Longe de mim querer tornar-me repetitivo, mas o tema da eficiência energética revisita-nos amiúde—volta sempre à baila. Desta vez por causa de dois factos: um, a entrevista ao Público de um responsável de política de energia na Comissão Europeia. Disse ele que a primeira prioridade deve ser a redução do consumo e eficiência. O que se tem feito é o contrário: aumenta-se a capacidade instalada das fontes renováveis, o que a prazo resulta no aumento do consumo. Esse círculo vicioso gera um impasse notório. Produzir mais energia renovável é bom; mas fazê-lo para o desperdício é irracional e negativo. Uma tal contradição tem de ser resolvida—porque o crescimento dos gastos energéticos, apesar da severa depressão económica, revela um mundo de ineficiência, que empobrece o país e leva a escolhas erradas—como a construção de barragens em locais preciosos pela biodiversidade que albergam.
O citado responsável europeu disse também que 40% da energia europeia é gasta nos edifícios—o que nos diz o quanto é importante mudar as coisas no sector da habitação e escritórios.
E ainda: um estudo recente dá-nos conta de que os edifícios do Estado gastam cerca de 500 milhões de euros em energia por ano. Somada esta cifra à iluminação pública, o peso na factura eléctrica nacional ronda os 9%--e tem crescido mais do que o dobro da média nacional nos últimos anos!
É caso para dizer que o Estado dá o mau exemplo, com a evidência destes números espantosos, perdendo a autoridade com que deveria exigir rigor e boas práticas aos privados e simples cidadãos. Uma vergonha insustentável!
Bernardino Guimarães
( Crónica saída no JN em 6/7/10)

quarta-feira, junho 09, 2010

PORTAGENS


Em tempos que já lá vão, de vacas demasiado, e ilusoriamente gordas, de consumismos desenfreados e de Estado mãos largas e eleitoralismo ávido, nesses tempos idos e saudosos, prometeu-se um país atapetado de auto-estradas, que levariam a todos os lados e a nenhum lado se preciso fosse. Mais do que isso e mais fantástico ainda: muitas dessas maravilhas rodoviárias seriam « sem custos para o utente». Estavam criadas as SCUT, símbolo da idade do ouro do regime, via verde para a bancarrota. Mas isso só se descobriria algum tempo depois.
O país das auto-estradas omnipresentes e gratuitas cumpriu-se. Tudo o que fosse estrada convencional foi esquecida e desprezada, porque sem brilho e «glamour» de progresso incessante. A modernização— assim se proclamava esta ideia em marcha— quase aboliu os comboios, suprimiu centenas de quilómetros de ferrovia, deixou sem ligações ferroviárias muitas cidades do país e desinvestiu na modernização do caminho-de-ferro que escapou da hecatombe.
Tudo decorreu no meio de muita inauguração, festa e geral felicidade; até que não! Até que o mesmo Estado, o mesmo regime, praticamente os mesmos líderes políticos, chegam à excruciante conclusão: falta o dinheiro para continuar a festa. As SCUTS terão de deixar de o ser…porque não há, afinal, almoços grátis nem viagens sem portagens. A crise instalou-se, o bodo aos pobres tinha de terminar!
E assim foi decidido. Mas nem todas as SCUT, ao menos para já, deixam de fazer jus ao nome— só as do Norte, por qualquer razão insondável, e em particular as que rodeiam a Área Metropolitana do Porto.
Grandes protestos, marchas lentas de desespero e revolta.
Sejamos francos: todas as auto-estradas devem ser pagas—o seu custo é imenso e se não as pagarem os utentes, pagam-nas todos os contribuintes. E o seu custo ambiental é incalculável, em poluição, em destruição de território.
Mas os que protestam não deixam de ter alguma razão. Foram vítimas de fraude política. As alternativas viárias tornaram-se muito penosas ou quase inviáveis. Não há comboios que de forma mais barata e menos poluente possam assegurar a mobilidade. Falta integração no desenvolvimento e ordenamento do território. E visão de futuro.
Os vendedores de ilusões— e de betão---criaram uma situação em que todos perdem. A prioridade, praticamente assumida pelos sucessivos governos, ao automóvel e à auto-estrada significou um desastre económico e ecológico, e os remendos para travar o que foi sempre um erro revelam-se injustos, mal explicados e geradores de tensão social e desequilíbrio regional.
Ainda iremos a tempo de pensar um outro modelo, de transportes…e de sociedade? E uma política com mais verdade e transparência?
Bernardino Guimarães
(Crónica para Antena 1, 8/6/010)

segunda-feira, março 29, 2010

MALES QUE VÊM POR BEM

Há males que vêm por bem, realmente. A desoladora constatação da situação económica do país (finalmente desocultada, após eleições celebradas em tom quase «optimista») arrastou consigo a austeridade do Estado. Quer dizer, austeridade para a grande maioria dos cidadãos e anúncio de redução das despesas do Estado. E lá se vai de uma penada, por força do princípio da realidade, boa parte dos famosos «investimentos públicos» que antes eram panaceia universal e hoje repousam nas gavetas tecnocráticas a benefício do Programa para a Estabilidade e Crescimento, o PEC. Não vão os «mercados» --esse avatar que paira sobre as soberanias nominais-- zangar-se connosco!
Nesse rol de abandonos e abdicações governamentais ficam diversas «concessões rodoviárias» --auto-estradas que permanecerão no papel.
Há muito tempo que diversas vozes bradavam no deserto, denunciando a inutilidade de uma despesa descomunal e tão pouco criadora de riqueza. Mas o governo que temos amava (ama ainda?) de paixão esses projectos filhos do plano rodoviário nacional e a maior parte da opinião pública e publicada aceitou bem o «progresso» induzido pela extensão do asfalto e do cimento.
Mesmo que já hoje tenhamos auto-estradas quase sem trânsito e três (3, leram bem!) ligações deste tipo entre Lisboa e Porto.
Mesmo que— apesar da nossa economia débil e anémica— sejamos senhores de uma superfície dessa vias que em relação ao nosso território é superior ao que acontece nos nossos mais prósperos parceiros europeus.
Fossem essas auto-estradas factores de riqueza e de produtividade e certamente deveríamos já ser ricos. Mas o toque de Midas não é atributo das «concessões rodoviárias».
Quanto aos danos ambientais, nem é bom falar. O impacte no ambiente e na paisagem deveria ser quantificado, em dinheiro, para que nos fosse possível avaliar o que se perde (em solos agrícolas, em floresta, em fauna e flora, em cursos de água e aquíferos, em integridade do território, em divisão de localidades e de conjuntos paisagísticos, em poluição (em CO2 emitido para a atmosfera e hidrocarbonetos para os solos e rios).
Sim, neste caso pode dizer-se que há males que vêm por bem. Paz à alma das novas rodovias!
Pena é que esta decisão (anunciada apenas como adiamento) fosse motivada somente por óbvia falta de dinheiro. A crise financeira e o endividamento não consentem muitas mais aventuras, e note-se que não foram adiadas nem refazeadas obras tão discutíveis como o novo Aeroporto de Lisboa, a travessia novíssima sobre o Tejo e o TGV Lisboa-Madrid. Difícil de entender!
Melhor fora que visse a luz um novo modelo de desenvolvimento, mais equilibrado, sustentável ecológica e socialmente. Estamos ainda longe disso.
Falta muito por fazer em termos de investimento público virtuoso e reprodutivo: os escassos recursos deveriam aplicar-se na limpeza e requalificação do território, no ressurgimento do mundo rural e na reabilitação do edificado nas cidades, cada vez mais desertas e em degradação acelerada— em vez de novas construções e crescimento urbano nas periferias.
O tempo do betão como principal forma de desenvolvimento, esse passou mesmo à história!
Bernardino Guimarães
(Crónica na Antena 1, em 11/3/010)

quarta-feira, setembro 16, 2009

PROBLEMA DE CONSCIÊNCIA

1) O abandono de animais domésticos deixou de ter «época alta». É quando alguém quiser. O Verão deixou de ser a estação do abandono, apenas porque agora esta prática lamentável se verifica, diz quem sabe, ao longo de todo o ano. Qualquer pretexto serve, qualquer desculpa é válida. E o número de gatos e cães (mas não só estes) deixados nas ruas ou nos montes não cessa de crescer.
Como se fosse uma praga que teremos de suportar sempre, entre aquelas que nos indignam e enojam, como o hábito de cuspir para o chão, as buzinadelas dos automobilistas e certas praxes académicas. Mas o melhor caminho será a resignação perante o que é degradante e boçal?
Consequência directa do abandono de animais é a lotação esgotada dos «canis municipais». Estruturas antigas e arcaicas o mais das vezes, sofrendo de falta de investimento crónico— que as autarquias neste caso não acham por bem gastar dinheiro. Resultado: instalações exíguas e indignas; pessoal não qualificado e não formado; falta de assistência veterinária, quando não maus tratos; alimentação péssima; alojamento para os animais verdadeiramente «abaixo de cão», onde se amontoam indistintamente animais doentes, contagiosos e animais saudáveis, onde o nome «canil» parece induzir a incapacidade de instalar gatos e outros com necessidades específicas.
Em vez de se promover a esterilização adequada e a sensibilização pública para a vergonha do abandono, opta-se pelo mais fácil: captura, aprisionamento em condições inenarráveis e abate a prazo. Falta também o incentivo à adopção informada.
Terá chegado a hora de os autarcas se preocuparem com esta chaga? Bem sei que não dá votos…mas é sabido que uma sociedade espelha no trato dos animais o seu grau de civilização. E que infligir sofrimento desnecessário a seres pelos quais somos responsáveis só pode definir uma comunidade humana doente e atrasada.
Para não ser injusto: alguns canis já não correspondem a este padrão sinistro e degradante: dizem-me que o de Valongo prima pelo cuidado com o bem-estar animal, promovendo a adopção como prioridade. Porto e Gaia pensam, pelo que li, em instalações conjuntas e construídas para o efeito, o que significaria encerrar as actuais e horrorosas instalações de acolhimento dos nossos amigos de quatro patas.
Mas resta muito para fazer. Começando pelo princípio, a concepção que se tem do problema: animais domésticos não são «resíduos urbanos» que devam ser recolhidos, armazenados e eliminados com a mesma lógica que preside ao saneamento básico. Trata-se de seres vivos e fomos nós humanos, nós comunidade e cidade, que os reduzimos à miséria e à dor depois de os termos criado para nosso prazer e companhia. Precisa-se de nova visão para este tema que pesa sobre as nossas consciências. A boa cidade é a que cuida bem de tudo e tudo integra numa harmonia de racionalidade e de compaixão.
Nem se pense que pode ser solidária e fraterna, humana para todos os nossos semelhantes a sociedade que insiste na crueldade e na indiferença quando de animais se trata. O «mundo cão» é invenção nossa.

2) Mudando de assunto: já temos segunda auto-estrada Porto-Lisboa! Bastou apenas a abertura do troço final da A 29 que liga Estarreja e Angeja e pronto. Não se nota já a aceleração do «progresso» rumo ao «crescimento»? Agora podemos optar e ir a Lisboa por 2 auto-estradas diferentes. Não ao mesmo tempo, que a ubiquidade não é dom que alguém tenha, mas alternadamente, para não enjoarmos ao ver sempre a mesma paisagem. E assim vai o país do asfalto, que as construtoras dirigem rumo a incerto túnel!
Bernardino Guimarães
(Publicado no Jornal de Notícias, em 15/9/09)

quinta-feira, setembro 03, 2009

AUTO-ESTRADAS SEM CRITÉRIO

de « Correio da Manhã» 3 de Setembro
Portugal é um dos seis países da União Europeia com mais auto-estradas por habitante: em 27 Estados-membros, Portugal tem cerca de 24 km por cem mil habitantes, quase tanto quanto a Espanha e mais do que Alemanha, Suécia, Dinamarca, Itália, França e Inglaterra, as economias ricas da UE.
O pior é que em nove das 25 auto-estradas portuguesas circulam em média, por dia, menos de dez mil carros, um dos critérios internacionais para justificar uma auto-estrada. Mesmo assim, com os projectos rodoviários em curso e os quatro a serem lançados até Junho de 2010, a rede irá aumentar 860 quilómetros. E entre Lisboa e Porto surgirá uma terceira ligação deste tipo.
O relatório da Comissão Europeia sobre o sector da energia e transportes na UE, datado de 2009 e referente a 2006, revela que Portugal, em 27 Estados-membros, é o quinto com mais auto-estradas por cem mil habitantes (ver infografia). Com 2545 km de auto-estrada em 2006, Portugal tinha uma rede maior do que Bélgica (1763), Suécia (1740), Dinamarca (1032), Áustria (1678), Grécia (1056) e Irlanda (270).
Os dados do Instituto de Infra-estruturas Rodoviárias (INIR) sobre o tráfego nas auto-estradas no primeiro trimestre deste ano, de Julho passado, indicam que o movimento médio diário de viaturas é inferior a dez mil carros em nove auto-estradas: quatro no Sul (A6, A13, A15 e A10), três no Norte (A7, A24 e A27) e duas no Centro (A14 e A23). E no Norte há mais uma, a A11, que em dois dos três primeiros meses deste ano registou um tráfego médio diário inferior a dez mil carros.Apesar de estes dados indiciarem que Portugal estará saturado de auto-estradas, o Governo lançou dez novos empreendimentos rodoviários com uma extensão de 2360 km, dos quais metade é estrada nova e 29 por cento corresponde a auto-estrada.
Já esta semana, foi anunciada a intenção de avançar com mais quatro novas concessões até Junho de 2010. O Executivo justifica esta prioridade política com o “reforço da segurança rodoviária” e a “promoção da coesão territorial”. Os críticos desta opção contrapõem que Portugal já tem auto-estradas suficientes e que é necessário apostar em soluções com menores exigências de construção e de traçado.

segunda-feira, maio 04, 2009

O CHOQUE DO BETÃO

Como se esperava, vem aí (mais) betão. A resposta ao atraso estrutural do país, às dificuldades no emprego e às assimetrias regionais, deu nisto: obras públicas, enormes investimentos, infra-estruturas. O Estado assume o comando da dinamização da economia. Uma lista pletórica se anuncia— ele são auto-estradas, pontes, TGV, barragens, aeroporto. Para trás fica o conhecimento, a qualificação das pessoas e a valorização do território, a sustentabilidade e outras muletas discursivas hoje suplantadas. Para amortecer, mesmo temporariamente o desemprego, para aproveitar a ligeira folga orçamental e o novo quadro de apoio europeu, para ganhar eleições e fazer esquecer tristezas, eis que se escolheu…o cimento.
Muitos irão saudar, neste eterno retorno a uma das constantes da política portuguesa, a «modernização» do país, na vaga de fontismo anacrónico. Mas outros, desmancha-prazeres, notarão o carácter efémero dessa festa e o gasto de recursos em prioridades erradas.
Soube-se que a área de Lisboa é já a região europeia com maior densidade de auto-estradas, e que o país inteiro se prepara para encabeçar a lista das nações com mais dessas vias rápidas…que no entanto não detiveram, antes pelo contrário, o despovoamento do interior, e o êxodo imparável para as imensas aglomerações urbanas do litoral.
As regiões europeias mais ricas, no entanto, nem de longe esquadrinharam desta forma o seu território com auto-estradas, e os «exemplos económicos» que gostamos de evocar (Irlanda, Finlândia, Suécia) apostaram antes na educação, ciência e formação das pessoas e resolveram os problemas de transporte com ferrovia convencional, a mesma que Portugal despreza e condenou a uma quase irrelevância. Mas nada disto impressiona os nossos decisores.
Parece, que mesmo o facto de toda a anunciada parafernália infra-estruturante configurar, contas feitas, um aumento decisivo das emissões poluentes (que o país está obrigado a conter, sob pena de graves problemas futuros) não merece, dos governantes, mais do que um bocejo.
Entretanto, a paisagem é vandalizada, as reservas naturais encolhem, a biodiversidade sofre. Os grandes empreiteiros rejubilam, e com a classe política realizam as transferências da época, deslocando pessoal, do parlamento e governo para os conselhos de administração (e vice-versa?) como se fosse preciso demonstrar quem é que manda e onde está o verdadeiro poder.
Condenada a possibilidade de um modelo de desenvolvimento menos espectacular (e menos rentável eleitoralmente, no curto prazo que é o prazo que conta) mas mais produtivo, e afastada a sustentabilidade como objectivo, fica a consolação da aposta nas energias renováveis, que deve ser considerada positiva, (ainda assim «manchada» pela insensibilidade ambiental e duvidosa utilidade do plano nacional de barragens).
Resta marchar, ao som dos tambores da modernidade, para um futuro em que seremos campeões das auto-estradas sem deixarmos de encabeçar a estatística das desigualdades sociais, da iliteracia e da desqualificação profissional. Um futuro próximo em que Ambiente, paisagem e ordenamento do território, sacrificados no altar de uma certa ideia de progresso, se tornaram valores secundários, inconciliáveis com o crescimento necessário da construção civil— pelos vistos, o derradeiro sector competitivo e capaz de induzir vitalidade a uma economia anémica.
Mas deve ficar claro: este não é o único caminho. Podia ser diferente, fazer-se diferente.
A grande mentira consiste em apregoar a inevitabilidade do que não é senão uma opção. Errada. E cuja factura pagaremos todos!

Bernardino Guimarães