quarta-feira, junho 09, 2010

PORTAGENS


Em tempos que já lá vão, de vacas demasiado, e ilusoriamente gordas, de consumismos desenfreados e de Estado mãos largas e eleitoralismo ávido, nesses tempos idos e saudosos, prometeu-se um país atapetado de auto-estradas, que levariam a todos os lados e a nenhum lado se preciso fosse. Mais do que isso e mais fantástico ainda: muitas dessas maravilhas rodoviárias seriam « sem custos para o utente». Estavam criadas as SCUT, símbolo da idade do ouro do regime, via verde para a bancarrota. Mas isso só se descobriria algum tempo depois.
O país das auto-estradas omnipresentes e gratuitas cumpriu-se. Tudo o que fosse estrada convencional foi esquecida e desprezada, porque sem brilho e «glamour» de progresso incessante. A modernização— assim se proclamava esta ideia em marcha— quase aboliu os comboios, suprimiu centenas de quilómetros de ferrovia, deixou sem ligações ferroviárias muitas cidades do país e desinvestiu na modernização do caminho-de-ferro que escapou da hecatombe.
Tudo decorreu no meio de muita inauguração, festa e geral felicidade; até que não! Até que o mesmo Estado, o mesmo regime, praticamente os mesmos líderes políticos, chegam à excruciante conclusão: falta o dinheiro para continuar a festa. As SCUTS terão de deixar de o ser…porque não há, afinal, almoços grátis nem viagens sem portagens. A crise instalou-se, o bodo aos pobres tinha de terminar!
E assim foi decidido. Mas nem todas as SCUT, ao menos para já, deixam de fazer jus ao nome— só as do Norte, por qualquer razão insondável, e em particular as que rodeiam a Área Metropolitana do Porto.
Grandes protestos, marchas lentas de desespero e revolta.
Sejamos francos: todas as auto-estradas devem ser pagas—o seu custo é imenso e se não as pagarem os utentes, pagam-nas todos os contribuintes. E o seu custo ambiental é incalculável, em poluição, em destruição de território.
Mas os que protestam não deixam de ter alguma razão. Foram vítimas de fraude política. As alternativas viárias tornaram-se muito penosas ou quase inviáveis. Não há comboios que de forma mais barata e menos poluente possam assegurar a mobilidade. Falta integração no desenvolvimento e ordenamento do território. E visão de futuro.
Os vendedores de ilusões— e de betão---criaram uma situação em que todos perdem. A prioridade, praticamente assumida pelos sucessivos governos, ao automóvel e à auto-estrada significou um desastre económico e ecológico, e os remendos para travar o que foi sempre um erro revelam-se injustos, mal explicados e geradores de tensão social e desequilíbrio regional.
Ainda iremos a tempo de pensar um outro modelo, de transportes…e de sociedade? E uma política com mais verdade e transparência?
Bernardino Guimarães
(Crónica para Antena 1, 8/6/010)

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