Há males que vêm por bem, realmente. A desoladora constatação da situação económica do país (finalmente desocultada, após eleições celebradas em tom quase «optimista») arrastou consigo a austeridade do Estado. Quer dizer, austeridade para a grande maioria dos cidadãos e anúncio de redução das despesas do Estado. E lá se vai de uma penada, por força do princípio da realidade, boa parte dos famosos «investimentos públicos» que antes eram panaceia universal e hoje repousam nas gavetas tecnocráticas a benefício do Programa para a Estabilidade e Crescimento, o PEC. Não vão os «mercados» --esse avatar que paira sobre as soberanias nominais-- zangar-se connosco!
Nesse rol de abandonos e abdicações governamentais ficam diversas «concessões rodoviárias» --auto-estradas que permanecerão no papel.
Há muito tempo que diversas vozes bradavam no deserto, denunciando a inutilidade de uma despesa descomunal e tão pouco criadora de riqueza. Mas o governo que temos amava (ama ainda?) de paixão esses projectos filhos do plano rodoviário nacional e a maior parte da opinião pública e publicada aceitou bem o «progresso» induzido pela extensão do asfalto e do cimento.
Mesmo que já hoje tenhamos auto-estradas quase sem trânsito e três (3, leram bem!) ligações deste tipo entre Lisboa e Porto.
Mesmo que— apesar da nossa economia débil e anémica— sejamos senhores de uma superfície dessa vias que em relação ao nosso território é superior ao que acontece nos nossos mais prósperos parceiros europeus.
Fossem essas auto-estradas factores de riqueza e de produtividade e certamente deveríamos já ser ricos. Mas o toque de Midas não é atributo das «concessões rodoviárias».
Quanto aos danos ambientais, nem é bom falar. O impacte no ambiente e na paisagem deveria ser quantificado, em dinheiro, para que nos fosse possível avaliar o que se perde (em solos agrícolas, em floresta, em fauna e flora, em cursos de água e aquíferos, em integridade do território, em divisão de localidades e de conjuntos paisagísticos, em poluição (em CO2 emitido para a atmosfera e hidrocarbonetos para os solos e rios).
Sim, neste caso pode dizer-se que há males que vêm por bem. Paz à alma das novas rodovias!
Pena é que esta decisão (anunciada apenas como adiamento) fosse motivada somente por óbvia falta de dinheiro. A crise financeira e o endividamento não consentem muitas mais aventuras, e note-se que não foram adiadas nem refazeadas obras tão discutíveis como o novo Aeroporto de Lisboa, a travessia novíssima sobre o Tejo e o TGV Lisboa-Madrid. Difícil de entender!
Melhor fora que visse a luz um novo modelo de desenvolvimento, mais equilibrado, sustentável ecológica e socialmente. Estamos ainda longe disso.
Falta muito por fazer em termos de investimento público virtuoso e reprodutivo: os escassos recursos deveriam aplicar-se na limpeza e requalificação do território, no ressurgimento do mundo rural e na reabilitação do edificado nas cidades, cada vez mais desertas e em degradação acelerada— em vez de novas construções e crescimento urbano nas periferias.
O tempo do betão como principal forma de desenvolvimento, esse passou mesmo à história!
Bernardino Guimarães
(Crónica na Antena 1, em 11/3/010)
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário