terça-feira, agosto 11, 2009

CESÁRIO VERDE

DE TARDE


Naquele «pic-nic» de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela


Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzonal azul de grão de bico
Um ramalhete rubro de papoulas.


Pouco depois, em cima de uns penhascos,
Nós acampámos, inda o sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão de ló molhado em malvasia.


Mas, todo púrpuro, a sair da renda
Dos teus seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas!


O POETA

De Cesário— que considerava «seu mestre»-- disse Fernando Pessoa, aliás Alberto Caeiro: «Ele era um camponês/ que andava preso em liberdade pela cidade/».
Cesário Verde nasceu em Lisboa, a 25 de Fevereiro de 1855 e morreu a 19 de Junho de 1886, vítima da tuberculose, aos 31 anos de idade. Nesse ano haveria de sair, poucos meses após a sua morte, o seu único livro, editado graças aos cuidados do grande amigo Silva Pinto. «O Livro de Cesário Verde» de par com abundante colaboração em jornais e revistas, constitui o conjunto da sua obra que chegou até nós, feita de um intenso e original sentido de observação e que veio a marcar a poesia portuguesa com os seus traços fortes.
Cesário vinha de uma família da pequena burguesia comercial de vaga ascendência italiana. Seu pai tinha uma loja de ferragens na rua dos Fanqueiros e casa e quinta nos arredores então idílicos de Linda-a-Pastora, onde cultivava fruta de exportação. Estes dois ambientes tão intímos do poeta estão presentes na sua obra, a cidade entusiasmante e febril e o campo produtivo e regenerador.
A cidade revelava-a ele, com um ritmo e uma nitidez muito própria. Como em «O Sentimento de um Ocidental»

Ave-Marias

Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.

O céu parece baixo e de neblina
O gás extravasado enjoa-me, perturba;
E os edifícios, com as chaminés, e a turba,
Toldam-se duma cor monótona e londrina.

Batem os carros de aluguer, ao fundo,
Levando à via-férrea os que se vão. Felizes!
Ocorrem-me em revista exposições, países:
Madrid, Paris, Berlim, São Petersburgo, o mundo!
(…)



E a dualidade cidade/ campo sempre presente, como quando se dirige aos clientes nórdicos— os ingleses—das frutas do «seu campo»:

Ó cidades febris, industriais,
De nevoeiros, poeirados de hulha,
Que pensais do país que vos atulha
Com a fruta que sai dos seus quintais?

Todos os anos, que frescor se exala!
Abundâncias felizes que eu recordo!
Carradas brutas que iam para bordo!
Vapores por aqui fazendo escala!

Uma alta parreira moscatel!
Por doce não servia para embarque:
Palácios que rodeiam Hyde-Park,
Não conheceis este divino mel!
(…)
Escreveu Mário Cesariny:
«Chegou a noite e foram todos para casa ler Cesário Verde/ que ainda há passeios ainda há poetas cá no país!»

E Eugénio de Andrade:
«Ó meu poeta, talvez fosse contigo/ que aprendi a pesar sílaba a sílaba/ cada palavra (…)»

Vitorino Nemésio sintetizou sobre a poesia de Cesário: «…O prosaísmo consciente de que é feita acaba por salvar-se à força de ritmos ousados, de imagens directas, de pureza vocabular, e enfim de um surto poético em que se fundem elegia e bucólica, graça e força, alegria vital, elegância civilizada e leve sonho.»


O poeta, ele, suspeitava do êxito futuro, porque os meios literários do seu tempo não lhe franquearam nunca as portas: «Perfeitamente. Vou findar sem azedume/ Quem sabe se depois, rico e noutros climas/Conseguirei ler essas antigas rimas/ Impressas em volume?»

Bernardino Guimarães
(O Peregrino presta modesto tributo ao Poeta.)


VAIDOSA
Dizem que tu és pura como um lírio
E mais fria e insensível que o granito,
E que eu que passo aí por favorito
Vivo louco de dor e de martírio.

Contam que tens um modo altivo e sério,
Que és muito desdenhosa e presumida,
E que o maior prazer da tua vida,
Seria acompanhar-me ao cemitério.

Chamam-te a bela imperatriz das fátuas,
A déspota, a fatal, o figurino,
E afirmam que és um molde alabastrino,
E não tens coração como as estátuas.

E narram o cruel martirológio
Dos que são teus, ó corpo sem defeito,
E julgam que é monótono o teu peito
Como o bater cadente dum relógio.

Porém eu sei que tu, que como um ópio
Me matas, me desvairas e adormeces,
És tão loira e doirada como as messes,
E possuis muito amor... muito amor próprio.

2 comentários:

  1. Há uns anos, num belo domingo de manhã, organizado pelo Coimbra, de Carnaxide fomos a pé até à casa do Cesário Verde em Linda a Pastora e nos seus jardins dissemos versos dele, comemos pão de ló.
    Clotilde

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  2. «Ó meu poeta, talvez fosse contigo/ que aprendi a pesar sílaba a sílaba/ cada palavra (…)»

    E eu, continuarei a aprender contigo ....

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