sábado, dezembro 19, 2009

AS SETE RAZÕES QUE IMPEDIRAM UM ACORDO GLOBAL E SÉRIO


19-12-09 João Céu e Silva no «Diário de Notícias»
A maior cimeira de sempre terminou ontem com um passe de mágica do Presidente Obama ao conseguir, duas horas antes da hora limite, desbloquear com o primeiro-ministro da China um projecto de acordo. O texto está muito abaixo das expectativas, vai ser continuado em Bona dentro de seis meses, mas foi o possível.
Fechados em gabinetes e longe da vista durante todo o dia, com os assessores a medir palavras que preconizavam o desaire das negociações mundiais em curso na Conferência de Copenhaga, só o automóvel presidencial de Barack Obama - estacionado em lugar proibido - provava que o homem que chegou cedo dos Estados Unidos para tirar um acordo do pântano de um debate promovido pelas Nações Unidas e a presidência dinamarquesa ainda estava no interior do Centro Bella a lutar por ele.
Às 23.00, Obama apareceu para anunciar ao mundo que todos os países vão tentar salvar o planeta do aquecimento global através de um acordo muito aquém do que estava previsto. O rumor de que havia um acordo surgiu pelas 21.57, uma hora depois de o Presidente Lula da Silva ter abandonado o pavilhão e quatro horas após o primeiro-ministro russo ter partido para outra reunião. Os que ficaram mantinham-se no violente combate pelo acordo.
Este discurso de Obama entusiasmou mais do que aquele que proferiu a meio do dia, espelho do desaire mundial que se gerava com o desentendimento entre os 119 líderes de 193 países, que vieram até Copenhaga para ficar numa fotografia oficial que acabou por não ser tirada. O último dia da COP15 acabou por ser um dia Obama, porque sem a sua acção não teria sido possível arrancar o acordo desta megarreunião, condenada ao fracasso por tantos interesses que os mais ingénuos acharam ser possível ultrapassar após dois anos de intensas negociações prévias.
Só que o que está em causa vale muitos milhões de milhões de euros e sobretudo de yuans chineses e dólares americanos, bem como a mudança de estratégias económicas e industriais em todos os países desenvolvidos. Uma situação para além da força do apelo de Sarkozy ou de outros dirigentes que viram a sua força medida. Pela negativa.
O discurso de Obama e o acordo que obteve em Copenhaga só foram possíveis após uma tentativa desesperada para criar uma plataforma definitiva de entendimento: um telefonema ao primeiro-ministro chinês. Esse foi o factor que desbloqueou um impasse que, no último dia da COP15, já ninguém acreditava ser possível de ser ultrapassado e que foi tendo sucessivas etapas de esperança e desilusão. Obama foi claro na sua alocução ao mundo: "Pela primeira vez na história, as economias dos países desenvolvidos comprometeram-se na redução das emissões." Obama foi muito claro na liderança norte-americana para tornar possível o texto que vai suceder a Quioto, referiu imediatamente os seus efeitos na economia dos EUA e valorizou os benefícios que a "economia verde" vai promover na recuperação de milhares de empregos e de novos investimentos.
O Presidente revelou que os três grandes compromissos do texto são no âmbito da transparência, da mitigação e do financiamento. Alertou que estava distante do desejado, designadamente porque não era juridicamente vinculativo, mas "o Protocolo de Quioto era-o, e de pouco serviu". Quanto ao acordo, esclareceu que não é o suficiente e que precisa de mais interacção internacional, mas foi o que se conseguiu após um longo caminho, tendo, neste sentido feito questão de afirmar que o seu país tinha trazido o trabalho de casa feito, que há um ano que clarificara posições e que agora é a vez de enfrentar problemas internos para criar legislação.
Os louros da negociação foram atribuídos à actuação dos governantes da Etiópia (representante dos países africanos), à China, ao Brasil e à África do Sul - da União Europeia não se ouviu falar. Em seguida, respondeu a algumas perguntas - só a jornalistas do seu país - e despediu-se, lamentando não ficar para confraternizar com os outros líderes, mas "havia problemas atmosféricos em Washington" que exigiam que o Air Force One partisse imediatamente.
Nas várias questões levantadas pela imprensa americana estavam a limitação do aquecimento global não superior aos 2º e a quantificação de metas de reduções fixadas a cada país. Obama respondeu, mas remeteu-as para os negociadores, "que entendem mais disso do que eu", e fez questão de referir que a ciência vai ter um papel muito importante nos próximos tempos para dirimir as teses em torno das alterações climáticas.
Quanto ao texto do acordo o DN ouviu, pelas 19.00, a opinião de um dos negociadores que confirmou a sua baixa fasquia e até deu como exemplo que as "suas" três páginas do anterior texto tinham sido reduzidas a uma linha, sem significado. A próxima fase de negociações ficou marcada para Bona, daqui a seis meses e antes da COP16, no México, no final do próximo ano. As metas de redução das emissões até 2020 serão decididas já em Janeiro.
Acordo ambicioso
As Nações Unidas e a Dinamarca apostavam num Acordo de Copenhaga extremamente ambicioso, que fosse um passo muito à frente daquele que vigora desde 1997, o Protocolo de Quioto, que os EUA nunca o assinaram.
Tempo dos EUA
A actuação dos EUA face a Copenhaga foi mais complexa porque o seu timing não é o da Europa. Os EUA necessitavam de mais um ano para legislar no âmbito das alterações climáticas e enfrentar os poderosos interesses das empresas.
China pouco clara
É uma das mais importantes economias emergentes e não pretende que lhe sejam criados travões ao desenvolvimento. Principalmente, não aceitam as regras de transparência exigidas pelos EUA, o grande óbice na concertação, na medição das suas emissões por uma entidade exterior. África contestatária
Os países africanos são os que mais têm a perder porque serão os primeiros a ser afectados, mas, mesmo assim, não aceitaram as regras do financiamento. Vão ganhar mais.
União Europeia morna
Teve um papel de grande liderança, mas na COP15 perdeu a força negocial perante os EUA e a China.
Brasil emergente
Assumiu-se como das maiores potências mundiais e influenciou até ao fim o texto. O "negócio" que fez com Obama deixa-o mal na América Latina mas bem na geopolítica.
Plenário indeciso
A ausência de uma mão forte por parte da presidência dinamarquesa e um processo de gestão decisório ultrapassado no tempo por parte das Nações Unidas abriram uma brecha na condução do processo. Ainda por cima permitiu a politização com a expulsão das ONG.

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