sexta-feira, janeiro 01, 2010

DESEJOS PARA O ANO NOVO

Deposto o ano velho, aberta a porta esperançosa de novo ciclo, apetece formular alguns desejos, a ver se a sorte nos atende:

--- Que em Portugal, em nome da prioridade à produção de energia, mesmo renovável, não sejam esquecidos outros valores que também se alevantam. A paisagem, a biodiversidade, a integridade dos rios.
O Plano Nacional de Novas Barragens, que o ano passado viu nascer, é um exagero e uma desmesura, bem ao gosto dos tecnocratas. 10 ou 11 barragens, contando o precioso vale do Baixo Sabor, vão inundar alguns sítios únicos e irrepetíveis e até uma linha férrea ( Tua). Alguém mediu ou vai medir a sério os impactes? Bacias como a do Douro e do Tâmega, já tão causticadas, serão o palco principal desta directiva de represamento geral. E o efeito no conjunto dos rios, que não apenas no local das barragens?
É triste que, por cá, até as intenções de produzir energia «limpa» acabem sempre em…construção civil!
Quando se joga a produção de uns 2% do total de electricidade gerada, não seria de dar antes o lugar cimeiro à poupança e eficiência energética, no país da Europa que mais energia desperdiça?

--- Que os especialistas em «planeamento» territorial desistam de produzir monstros burocráticos, quimeras de gabinete que ninguém compreende, que ninguém respeita e que ninguém aplica. O ordenamento do território, para além da inconsciência de muitos autarcas, sofre na pele—e nós sofremos também—a « competência» dos planeadores, mais ou menos académicos, mais ou menos pós-modernos, liberais ou estatistas, sempre os mesmos bonzos, alinhados no gosto pelo esotérico e pelo experimentalismo que descura o terreno e a realidade. E que produz pérolas como considerar as áreas florestais ou agrícolas em zona suburbana como «descontinuidades»!
A sobreposição de planos de vários níveis, por vezes contraditórios, a sua forma indecifrável e geradora de conflitos, explica em parte o triste estado de um território entregue à cobiça de vistas curtas.
Haja ideias fortes, códigos claros, intenção política transparente, facilite-se a participação dos cidadãos e defenda-se o interesse público e a sustentabilidade. Sem esquecer a necessidade de enfrentar problemas decisivos, como a forma de remuneração das mais valias dos terrenos, tão facilmente transitados do uso agrícola e florestal para a «dignidade» de solo urbanizável, um escândalo que gera fortunas…e a miséria do território!

---Que seja levada a sério a ameaça das alterações climáticas e que as cidades possam e saibam contribuir com planos coerentes de combate às emissões poluentes, na energia, nos transportes, no urbanismo, no consumo e na defesa do que resta de verde. Portugal é incumpridor do Protocolo de Quioto. Se calhar a tarefa é demasiado importante para a deixarmos apenas nas mãos (inábeis) do governo!
--Que para «descongestionar» as vias rodoviárias, a solução não seja só…a construção de outras vias…bem cedo estarão também congestionadas e serão precisas novas vias e o alargamento das antigas e…está na hora de romper este círculo vicioso, bem patente no Grande Porto! Onde está a prioridade aos transportes públicos? E a Autoridade Metropolitana dos Transportes, para coordenar e orientar? Mais circulares, mais itinerários, mais acessos e auto-estradas urbanas, podem dar dinheiro a ganhar aos senhores do betão. Há quem pense que isso reanima a economia. Mas não resolvem nem sequer os engarrafamentos crónicos, quanto mais o resto! Para quê insistir no modelo esgotado, condenado pela alta do petróleo e pelo problema das alterações climáticas?
E por aqui me fico!
Bernardino Guimarães
(Esta crónica tem dois anos e foi publicada no Jornal de Notícias em 8/1/08.
Para se ver que os desejos poderiam ser formulados hoje…e quão pouco foram concretizados! O tempo ensina-nos muito, de facto!)

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