terça-feira, março 30, 2010

A RIQUEZA DAS NAÇÕES


Reconhecer valor económico aos serviços que a Natureza nos presta. Fazer entrar nas contas da cada nação a valorização das riquezas naturais e dos ecossistemas. Parece coisa simples, isto que disse? Mas é de facto uma verdadeira revolução!
Hoje, a economia que temos dá pouco ou nenhum valor àquilo que, no entanto é básico. Quanto valem uma floresta antiga, uma paisagem rural equilibrada, um sistema ecológico que garante a existência de água potável ou de solos aráveis e a protecção contra cheias, uma reserva natural onde se albergam muitas espécies de plantas e animais? Sim, que valor se lhes dá?
A economia esconde a maior parte da verdadeira «riqueza das nações»!
Perante a Economia dominante, cujas noções falíveis governam a nossa vida, tudo isso que é vital vale muito pouco. Ou nada. E muito menos se concebem instrumentos para a sua quantificação.
Talvez isso explique o grau de afastamento da realidade a que tende o capitalismo financeiro das últimas décadas, desligado da economia real e entregue avidamente às especulações mais insensatas e perigosas— conforme se tem visto e sentido.
Por isso vivemos muito acima das nossas possibilidades, não apenas porque no quadro das noções económicas vigentes consumimos muito e poupamos pouco, mas também porque a nossa exigência crescente de recursos naturais finitos faz com que já estejamos a retirar mais da Terra do que aquilo que podem repor os ecossistemas e sua auto-regeneração.
Concretizemos: para efeitos de medição do célebre PIB (Produto Interno Bruto) uma floresta vale dinheiro…se for cortada e transformada em produtos transaccionáveis. As funções ecológicas dos bosques não contam nem um centavo para esse «campeonato»!
Um rio também não tem melhor sorte neste sistema: atribui-se-lhe valor quando for aprisionado, torturado por uma barragem que gere electricidade. Ou seja, contabiliza-se a energia produzida mas aí, com forte probabilidade, já o rio deixou de ser rio.
E nem pensar em dar valor contabilizável às árvores que fixam e enriquecem o solo e contribuem para purificar e preservar a água e a atmosfera.
A Natureza mais ou menos intocada atrai cada vez maiores «fluxos turísticos verdes» --milhões de pessoas que querem ver e viver a paisagem bela e a vida selvagem íntegra e rara— mas nem por isso os valores naturais são contados justamente na riqueza nacional, que toma nota, apenas do que facturam hotéis e pousadas. O mesmo para a biodiversidade, para as plantas que acautelam a segurança genética dos cultivos e a produção de medicamentos, ou para os animais silvestres que tornam equilibrados os seus «habitats» ou fornecem serviços gratuitos como o controle de pragas e a polinização.
Muitos economistas e ambientalistas, pelo mundo fora, estudam agora as formas de atribuir o justo valor económico aos ecossistemas. Se a Amazónia for considerada um dos «pulmões do mundo» isso implica realmente um serviço a toda a Humanidade que é preciso valorizar. E por cá, como no mundo, as regiões mais pobres são aquelas onde se produz aquilo sem o qual não poderíamos viver: água pura, solo produtivo, floresta, alimentos de qualidade, biodiversidade e cenários naturais atraentes. Será isso lógico e justo? As regiões que contam maior fatia no PIB «produzem» muitas coisas que não deveriam ser valorizadas— poluição, stress, voracidade no consumo de energia e outros recursos, resíduos não recicláveis.
O PIB, (e com ele os governos) interessa-se pouco por essa injustiça, que aliás cauciona, e assim nunca os habitantes das zonas rurais do interior serão compensados por tudo aquilo que preservam e oferecem ao nosso mundo super-urbanizado.
Claro que alguns perguntam, legitimamente, se será boa ideia contar em dinheiro os benefícios da mãe Natureza, prodigalizados com graça e de graça?
Talvez não seja muito poético a uma primeira vista, e soe mal até, neste tempo em que tudo se compra e se vende. Pode ser que uma tal mudança na contabilidade da riqueza acarrete inconvenientes e distorções, que deverão nesse caso ser corrigidas e repensadas.
Mas esta transformação a haver, unindo Ecologia e Economia, afigura-se em geral como um dos caminhos para salvar a Natureza— ou melhor, para nos salvar, abrindo talvez uma era em que os serviços da Terra serão geridos com mais inteligência, equidade e em modo de cooperação.
Bernardino Guimarães
(Crónica para a Antena 1, em 18/3/010)

1 comentário:

  1. "Talvez não seja muito poético a uma primeira vista, e soe mal até, neste tempo em que tudo se compra e se vende. Pode ser que uma tal mudança na contabilidade da riqueza acarrete inconvenientes e distorções, que deverão nesse caso ser corrigidas e repensadas.
    Mas esta transformação a haver, unindo Ecologia e Economia, afigura-se em geral como um dos caminhos para salvar a Natureza— ou melhor, para nos salvar, abrindo talvez uma era em que os serviços da Terra serão geridos com mais inteligência, equidade e em modo de cooperação."

    Como tudo o que dizes é verdade! Pensando bem...infelizmente, até os Homens se vendem!

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