quarta-feira, novembro 10, 2010

OS DIAS DE AMANHÃ

A Quercus— Associação Nacional de Conservação da Natureza celebrou a passagem dos seus 25 de existência e de actividade. Fê-lo realizando um Congresso da organização há poucos dias, no Parque biológico de Gaia. O objectivo do encontro, segundo foi anunciado, não foi apenas a comemoração do aniversário. Tratou-se de reflectir sobre o que foi feito, de que forma se exerceu uma missão cujo balanço, com todas as limitações, pode ser considerado positivo.
Espera-se que o debate possa ter aprofundado os caminhos para o futuro. O mundo mudou muito. Portugal também. A crise económica que deprime o país pode acarretar a secundarização do ambiente, fazendo-se passar a ideia de que as políticas ambientais, o enfrentar da inegável «crise ecológica» --nacional e global---pode esperar, enquanto nos enredamos no labirinto de soluções e de problemas diagnosticados e propostos pelos «gurus» da economia, que nunca assumem os seus erros de análise passados, nem garantem nada que não seja o temor reverencial por essa entidade misteriosa e toda poderosa que são afinal «os mercados»
Os ambientalistas precisam de encontrar o registo certo para que a sua mensagem passe e seja considerada, evitando erros recorrentes— mas o problema está longe de se confinar meros defeitos de comunicação. Como relacionar o problema do «desenvolvimento» com a sustentabilidade, de uma forma concreta e realista? Como interpelar seriamente a economia que temos, que despreza o longo prazo e se esgota na voragem do presente?
O produto interno não inclui as riquezas naturais, excepto depois de extraídas e processadas, inseridas no circuito da produção e do consumo. Mas os «serviços dos ecossistemas» continuam, todos os dias, a garantir a nossa vida e economia. O solo fértil não resulta do nada— e sem ele não há alimentos, nem vestuário, nem floresta. Um bosque preserva o solo e capta dióxido de carbono, produzindo oxigénio. Os insectos polinizadores e as minhocas fazem mais pelo sustento humano do que qualquer banco ou empresa de distribuição e comércio alimentar! A existência de água potável depende de uma série de condições naturais que, se não forem mantidas e renovadas, resultarão no desaparecimento ou na falta de qualidade dos recursos hídricos. A biodiversidade não é apenas ameaçada com a extinção de espécies mais conhecidas e tornadas mediáticas. São os genes preciosos das plantas e a diversidade de formas animais e vegetais que caminham para o discreto e silencioso ocaso—e para o fim de recursos que possibilitam medicamentos e fortalecimento das plantas de uso agrícola, por exemplo.
Na crise económica do país destapa-se a mediocridade do «modelo de desenvolvimento» que adoptámos. Assente no betão, no inchaço artificial das cidades e da construção e no desprezo pela ruralidade e pela natureza.
As regiões mais pobres do país, onde se fecham escolas de aldeia e centros de saúde, são as mesmas onde existem— geridos secularmente pelos seus habitantes—os tais ecossistemas que produzem suporte da vida humana: a água pura, as florestas, o solo produtivo, a biodiversidade, a paisagem atractiva e variada. Se possuem estas riquezas, porque são tão pobres e se despovoam?
Valorizar a natureza e o acto de «fazer» gestão de natureza, é um caminho para «sair da crise», e os ambientalistas não devem deixar-se confinar no protesto justo, mas pensar formas de intervir nas políticas de desenvolvimento. Não as deixando entregues ao monopólio estéril e gasto dos partidos políticos.
Vem isto a propósito do aniversário da associação que os portugueses mais associam à própria ideia de defesa do ambiente.
Parabéns Quercus!
Bernardino Guimarães
( Publicado em 9/11/2010 no Jornal de Notícias)


1 comentário:

  1. "Como relacionar o problema do «desenvolvimento» com a sustentabilidade, de uma forma concreta e realista? Como interpelar seriamente a economia que temos, que despreza o longo prazo e se esgota na voragem do presente? "
    Esta é a difícil tarefa que os grupos ambientalistas têm que realizar ,no sentido de mostrarem credibilidade e que não são uns utópicos!

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