Basta compulsar os jornais, ouvir os noticiários da TV e da rádio; quase diariamente, os escândalos e as polémicas que inquinam a nossa vida pública falam de decisões sobre o território, ordenamento e desordenamento, excepções ao quadro legal, licenciamento de empreendimentos em áreas protegidas. Dir-se-ia que este palco, onde se joga o destino de recursos naturais insubstituíveis, é o lugar de todas as suspeições— tantos são os exemplos de duvidosas tramitações e obscuros negócios. Este quadro lamentável não é de agora— desde há décadas que persiste, sem que uma aparente maior consciência do problema traga alívio a uma situação pesada, onde nada é confiável e transparente.
Clima malsão, que ameaça os alicerces da democracia. Ninguém ignora o quanto tem sofrido a paisagem portuguesa, quantos erros urbanísticos marcaram a vida colectiva ao longo dos anos. Se muito de deve a ignorância e desmazelo, ou a uma concepção inculta e errónea do que seja progresso, a verdade é que paira sempre, sinistra, a ideia de que o poder do dinheiro contamina as decisões e motiva os disparates que vemos, materializados em projectos que agridem a harmonia da paisagem e a integridade do património natural e cultural do país.
Fica, insidiosa, a pergunta: quem no meio de tal confusão, defende o interesse público? E até que ponto agentes políticos— encarregues da defesa do que é de todos— se misturam num sombrio bastidor de compadrio e de voracidade?
Este problema não deverá ser visto apenas à luz de algum «caso» em particular, e reconhece-se que a suspeita em relação à política e aos políticos se tornou desde há muito tempo um verdadeiro entretenimento nacional, ao mesmo tempo em que a sociedade «civil» se demite do seu dever/obrigação de participar e ter um papel relevante na «coisa pública».
Mas não se pode ignorar que a suspeição se instalou, não apenas em razão de um caldo de cultura com laivos anti-democráticos, mas como consequência de muitos e variados «casos» tocando quase todos os quadrantes partidários, e desde a base até ao topo.
Até por isso, em defesa da honorabilidade a que têm direito, os agentes políticos deveriam ser os primeiros interessados na ultrapassagem deste cenário pouco edificante.
Regras de transparência e de participação pública nas decisões, consolidação e simplificação do quadro de ordenamento do território e conservação da natureza, com clarificação das regras legais, são as bases possíveis, creio, de uma nova atitude.
Mas é preciso ir mais longe e fundo: as mais valias que resultam da modificação do estatuto de um terreno (por exemplo, de agrícola para urbano) não podem continuar a ser lucro privado, gerando injustiça social e potenciando corrupção. Os planos de ordenamento e as reservas têm de ser respeitadas, e todas as excepções devem ser isso mesmo— excepções— submetidas a apertado escrutínio público.
Não se pode proteger por lei os sobreiros e semear pelo país licenças para abate de sobreiros. A estabilidade é aqui factor decisivo, e as ressalvas a todo o momento abertas dão asas a situações dúbias e pouco claras, como se tem visto. A violação das normas de ordenamento deve efectivamente ser considerada crime, e tratada como tal.
As autarquias não devem continuar reféns das receitas do imobiliário. Não pode continuar a existir uma política de especulação imobiliária com a chancela do Estado— os célebres PIN! Como confiar num regime que condiciona pequenos proprietários durante anos em nome dos valores naturais e depois concede tudo a enormes projectos milionários?
E muito mais haveria a propor. Em ano de todas as eleições, quem se compromete a mudar de vida?
Bernardino Guimarães
(Crónica publicada no Jornal de Notícias)
Clima malsão, que ameaça os alicerces da democracia. Ninguém ignora o quanto tem sofrido a paisagem portuguesa, quantos erros urbanísticos marcaram a vida colectiva ao longo dos anos. Se muito de deve a ignorância e desmazelo, ou a uma concepção inculta e errónea do que seja progresso, a verdade é que paira sempre, sinistra, a ideia de que o poder do dinheiro contamina as decisões e motiva os disparates que vemos, materializados em projectos que agridem a harmonia da paisagem e a integridade do património natural e cultural do país.
Fica, insidiosa, a pergunta: quem no meio de tal confusão, defende o interesse público? E até que ponto agentes políticos— encarregues da defesa do que é de todos— se misturam num sombrio bastidor de compadrio e de voracidade?
Este problema não deverá ser visto apenas à luz de algum «caso» em particular, e reconhece-se que a suspeita em relação à política e aos políticos se tornou desde há muito tempo um verdadeiro entretenimento nacional, ao mesmo tempo em que a sociedade «civil» se demite do seu dever/obrigação de participar e ter um papel relevante na «coisa pública».
Mas não se pode ignorar que a suspeição se instalou, não apenas em razão de um caldo de cultura com laivos anti-democráticos, mas como consequência de muitos e variados «casos» tocando quase todos os quadrantes partidários, e desde a base até ao topo.
Até por isso, em defesa da honorabilidade a que têm direito, os agentes políticos deveriam ser os primeiros interessados na ultrapassagem deste cenário pouco edificante.
Regras de transparência e de participação pública nas decisões, consolidação e simplificação do quadro de ordenamento do território e conservação da natureza, com clarificação das regras legais, são as bases possíveis, creio, de uma nova atitude.
Mas é preciso ir mais longe e fundo: as mais valias que resultam da modificação do estatuto de um terreno (por exemplo, de agrícola para urbano) não podem continuar a ser lucro privado, gerando injustiça social e potenciando corrupção. Os planos de ordenamento e as reservas têm de ser respeitadas, e todas as excepções devem ser isso mesmo— excepções— submetidas a apertado escrutínio público.
Não se pode proteger por lei os sobreiros e semear pelo país licenças para abate de sobreiros. A estabilidade é aqui factor decisivo, e as ressalvas a todo o momento abertas dão asas a situações dúbias e pouco claras, como se tem visto. A violação das normas de ordenamento deve efectivamente ser considerada crime, e tratada como tal.
As autarquias não devem continuar reféns das receitas do imobiliário. Não pode continuar a existir uma política de especulação imobiliária com a chancela do Estado— os célebres PIN! Como confiar num regime que condiciona pequenos proprietários durante anos em nome dos valores naturais e depois concede tudo a enormes projectos milionários?
E muito mais haveria a propor. Em ano de todas as eleições, quem se compromete a mudar de vida?
Bernardino Guimarães
(Crónica publicada no Jornal de Notícias)
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