quarta-feira, setembro 02, 2009

O PAÍS DOS PLANOS

1) Jacques Brel cantou o seu «país plano». Nós sofremos o país dos planos. Sempre que um acidente acontece, geralmente uma tragédia evitável, revela-se todo o alcance da novela kafkiana onde estamos metidos. E surgem os planos que deviam ter ordenado o que muito desordenado se descobriu. Eles são planos de ordenamento nacionais, regionais, intermunicipais, municipais, do litoral, das áreas protegidas, das bacias hidrográficas, das barragens, das estratégias pátrias, planos também locais à escala micro e ainda sectoriais. Todos estes documentos primam por serem ilegíveis, entre si sobrepostos quando não contraditórios. Uns são recentes e tirados a ferros da inércia da administração. Outros vigoram há muitos anos. Ninguém os conhece. O seu articulado confuso desafia o saber dos juristas e a provoca polémicas longas e por vezes lucrativas entre os guardiães da doutrina. O que um faz, desfaz o outro. Provenientes de diversas camadas e escolas, gizados e geridos por diferentes entidades ciosas do seu naco de poder, estão o mais das vezes desde a nascença, esburacados pela farsa dos «direitos adquiridos» abonando os que a tempo se precaveram e foram fazendo aprovar projectos que sabiam inviáveis a partir da vigência de novas regras.
A confusão (intencional?) nos planos, --e na legislação nesta matéria--, a sua profusão caótica e inexequibilidade geral, o facto de se anularem uns aos outros alegremente, a disposição confusa do articulado e até o português torturado e exótico que se usa em tais documentos, torna o ordenamento e urbanismo em Portugal uma coisa esotérica e que seria cómica…não fosse trágica!
Tudo isto resulta em benefício dos circuitos de compadrio. Nada é verdadeiramente protegido. Nada é verdadeiramente permitido. E nada é fiscalizado e monitorizado. A burocracia devora-se a si mesma e o país assiste, anestesiado pela propaganda ou apenas sonolento.
Quando o acidente acontece, saem do esconderijo míriades de entidades e organismos, todos protestando inocência, todos passando as culpas ao departamento e ao ministério do lado. Quando tanta gente planeia e gere…ninguém o faz. E pronto, cai a falésia, morrem cidadãos e dá-se a fuga para a frente, depois de casa roubada: dinamitam-se as falésias todas, betona-se o que resta sem que haja solução ou rumo. Mas a opinião pública sossega; tudo volta ao mesmo— até ao próximo susto!

2) Olhando ali do lado do Castelo do Queijo, mirando em frente a orla do Parque da Cidade, dou por mim a cismar: como é possível haver quem ainda defenda a invasão imobiliária deste oásis? Cercado, basta ver os guindastes por todo o lado à sua volta, cada vez mais a zona verde contrasta com as enormes frentes de cimento que lhe são contíguas, monumentos à ganância e falta de gosto. O Parque, se tivermos em vista a escala dos seus congéneres das cidades europeias, não é grande. Roubar-lhe fatias, fazer do Parque traseiras de urbanizações, parece-me, como me pareceu em 2001, uma coisa a roçar o crime de lesa-cidade. Contento-me com a solução que a Câmara do Porto está a tentar implementar, e para a qual não vi alternativa alguma, excepto o regresso ao passado, sobejamente rejeitado pelos portuenses: a construção de edifícios no Parque! (Mas há quem nunca desista, pelos vistos, e por isso deveremos estar atentos.) Espero que a ideia de ligação do Parque até ao Parque do Real, passando em «corredor verde» a Circunvalação, possa ser realidade um dia. O espaço envolvente é que vai escasseando, numa asfixia urbana que ninguém trava e tornou já feia e descaracterizado o entorno do nosso maior espaço verde.
Bernardino Guimarães
(Crónica publicada no Jornal de Notícias, em 1/9/09)

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