terça-feira, março 16, 2010

CONTRA A CORRENTE


1)Aumenta a preocupação pelo futuro do Tâmega, o belo rio que inspirou tantas páginas da literatura portuguesa e onde ficarão instaladas nada menos que 5 barragens. Uma delas, a de Fridão, a escassa distância de Amarante.
Essa angústia motivou a manifestação do passado sábado, talvez o início de um movimento cívico amplo que porá em causa a utilidade e bondade da profunda desnaturalização dos rios que nos dizem ser essencial ao futuro do país. Não falta propaganda martelando na tese dos benefícios da hidroeléctrica, apresentada como fonte de energia «verde» e renovável, portanto amiga do ambiente. É saudável que sejam discutidas as opiniões dos que postulam o contrário: sinal de democracia e de vitalidade do civismo que não se conforma com «verdades» oficiais nem oculta o outro lado da moeda. E esse lado é inquietante: só a barragem de Fridão vai destruir centenas de hectares de Reserva Agrícola e Reserva Ecológica Nacional, pontes antigas, praias fluviais, uma ETAR e muitas habitações, proclamaram os manifestantes. Existe o perigo da eutrofização com o surgimento de cianobactérias e maus cheiros.
Como se lê na reportagem do JN sobre o protesto: «Há também quem receie "ter uma barragem com mais de 90 metros de altura e que, em caso de rotura, inundaria a cidade de Amarante com 13 metros de água acima do tabuleiro da ponte de S. Gonçalo". "É o INAG [Instituto Nacional da Água] que o admite", lembra o Movimento Por Amarante sem Barragens».
Antes de acusar quem quer que seja como «inimigo do progresso» ouçam-se os argumentos de todos. Convém evitar a deriva autoritária, hoje de novo muito em voga em Portugal, e não se responda com sofismas e meias-verdades a quem pergunta se é isto o progresso, se uma-- apesar de tudo residual-- produção de electricidade, vale a destruição de um rio, no país que mais energia desperdiça no contexto europeu e onde a eficiência energética é quase uma figura de retórica.
A maioria das barragens previstas no Programa Nacional Hidroeléctrico vai ser edificada na bacia hidrográfica do Douro, com os seus afluentes, e só isso deveria motivar uma reflexão global, sobre desenvolvimento sustentável e sobre o valor do que se perde: paisagem, biodiversidade, turismo de natureza, solos produtivos.
Enfim: há quem seja contra a corrente. Ainda bem que assim é. Porque contra a corrente, no sentido literal, correrá o Tâmega, violentado ao sabor das flutuações horárias do preço da electricidade. Creio que essa imagem basta, para quem tenha sensibilidade e bom senso!

2)Contra a corrente e em crescendo de adesão anda o movimento Limpar Portugal, de que já aqui falámos. Contrariando a apatia cívica que nos é habitual, o projecto juntou já mais de 40 mil voluntários, que no dia 20 de Março, atacarão o país das lixeiras, do desmazelo e da impunidade. Estamos perante uma iniciativa que deve fazer História, pela dimensão, pela sua origem na vontade de cidadãos que se propõem fazer o que poder local e administração central nunca foram capazes.
Na data aprazada, mais de 300 grupos organizados de voluntários “riscarão do mapa” mais de 11 100 lixeiras a nível nacional. Que se espera não voltem a reaparecer, mais isso é já outra tarefa de continuidade e de vigilância que caberá, em primeiro lugar, às autarquias locais e aos cidadãos despertos para a «cidadania ambiental».
Um sinal positivo e feliz, que nos enche de confiança e de esperança. Bom início de Primavera que afasta, por um dia que seja, os pesados e cinzentos factos que habitualmente dominam o noticiário pátrio!
Bernardino Guimarães
(Crónica publicada no Jornal de Notícias em 16/3/010)

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