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quarta-feira, agosto 04, 2010

NADA ESTÁ SEGURO!

1)Em se tratando de espaços verdes e jardins, ou mesmo de reservas naturais, nada está seguro em Portugal; não se tenha por adquirido que algum desses refúgios de natureza está isento de projectos invasivos e mesmo contrários ao espírito que levou à sua criação. O que se anuncia para o Parque da Lavandeira, em Vila Nova de Gaia, confirma isso mesmo. Considerado, e bem, pela autarquia gaiense, uma das « jóias da coroa» do seu património verde público, como tal abundantemente publicitado, o Parque da Lavandeira, na freguesia de Oliveira do Douro, teve sucesso desde o primeiro dia, sendo mesmo muito frequentado por gentes de todas as idades que ali encontram sossego, sombra de árvores e espaço para caminhar, brincar e contemplar.
Os utentes do Parque deram conta de uma ameaça—a intenção da Câmara de ali instalar uma escola, um «centro escolar» como agora se diz, indo ocupar pelo menos dois hectares que se julgava destinados ao usufruto dos cidadãos. Claro que, polémica em marcha, os autarcas foram lestos em sua defesa: que a perda para o Parque é pequena, que pouco irá alterar no terreno e mesmo que « a construção da escola no Parque da Lavandeira se insere numa estratégia de valorização do processo educativo em associação com os equipamentos públicos mais relevantes.» Quer isto dizer, se alguma coisa quer mesmo dizer, que a escola terá uma ligação umbilical com a temática dos espaços verdes e do ambiente, conforme foi explicado, pela razão (agora a ilação é nossa) de que é construída dentro do…espaço verde!
Escapa ao leitor a lógica desta tese? Também o cronista não alcança o seu significado. De resto, alguns dirão mesmo que o verdadeiro motivo de tão inadequada localização é afinal o carácter público dos terrenos, certamente uma atenuação de custos tentadora.
Trata-se de um precedente grave—mesmo que ( e isso não é pacífico) o impacte da ocupação de uma parte do Parque possa ser minimizado.
Esta prática que faz dos espaços verdes o «elo fraco», passível de acolher todo o tipo de infra-estruturas, por motivos económicos ou outros, subverte o princípio da estabilidade e contradiz os próprios instrumentos de planeamento.
Um péssimo exemplo! Ainda pior: diz-se que também o Parque Biológico, em Avintes, vai ter de prescindir de uma porção do seu território em benefício…de outra escola. Parece configurar-se um padrão de decisões, sempre em desfavor dos espaços ditos « protegidos», que ingenuamente julgávamos a salvo de tais investidas!

2)O Douro está poluído. Não será isto novidade para ninguém, mas o que é de realçar é que está cada vez pior, o estado do grande rio. O estudo sistemático e continuado do seu troço final, levado a cabo pelo hidrobiólogo Bordalo e Sá, e revelado aqui no JN há dias, traz motivo para inquietação. Contaminação fecal 200 a 500 vezes superior ao que seria desejável. Poluição por bactérias, vírus e protozoários, a que se soma o crescente afluxo de químicos diversos, de pesticidas, além de antibióticos e contraceptivos presentes na urina humana. Peixes e moluscos acusando perturbações sérias, enguias com patologias neurológicas, tainhas e solhas que mudam de sexo por efeito da « sopa letal» onde vivem.
Face a isto, que se faz? Boa parte das ETAR não funciona de todo ( caso da de Rio Tinto) ou não fazem desinfecção do efluente. As redes de saneamento estão longe de cobrir o território, apesar de avanços. Não se vislumbra cooperação e decisão conjunta entre os municípios próximos do Estuário do Douro.
Um cenário de poluição grave e de incompetência política mais grave ainda! Creio que vale a pena voltar ao Douro, em outra crónica!
Bernardino Guimarães
( Crónica publicada no Jornal de Notícias em 3/8/2010)

terça-feira, março 16, 2010

CONTRA A CORRENTE


1)Aumenta a preocupação pelo futuro do Tâmega, o belo rio que inspirou tantas páginas da literatura portuguesa e onde ficarão instaladas nada menos que 5 barragens. Uma delas, a de Fridão, a escassa distância de Amarante.
Essa angústia motivou a manifestação do passado sábado, talvez o início de um movimento cívico amplo que porá em causa a utilidade e bondade da profunda desnaturalização dos rios que nos dizem ser essencial ao futuro do país. Não falta propaganda martelando na tese dos benefícios da hidroeléctrica, apresentada como fonte de energia «verde» e renovável, portanto amiga do ambiente. É saudável que sejam discutidas as opiniões dos que postulam o contrário: sinal de democracia e de vitalidade do civismo que não se conforma com «verdades» oficiais nem oculta o outro lado da moeda. E esse lado é inquietante: só a barragem de Fridão vai destruir centenas de hectares de Reserva Agrícola e Reserva Ecológica Nacional, pontes antigas, praias fluviais, uma ETAR e muitas habitações, proclamaram os manifestantes. Existe o perigo da eutrofização com o surgimento de cianobactérias e maus cheiros.
Como se lê na reportagem do JN sobre o protesto: «Há também quem receie "ter uma barragem com mais de 90 metros de altura e que, em caso de rotura, inundaria a cidade de Amarante com 13 metros de água acima do tabuleiro da ponte de S. Gonçalo". "É o INAG [Instituto Nacional da Água] que o admite", lembra o Movimento Por Amarante sem Barragens».
Antes de acusar quem quer que seja como «inimigo do progresso» ouçam-se os argumentos de todos. Convém evitar a deriva autoritária, hoje de novo muito em voga em Portugal, e não se responda com sofismas e meias-verdades a quem pergunta se é isto o progresso, se uma-- apesar de tudo residual-- produção de electricidade, vale a destruição de um rio, no país que mais energia desperdiça no contexto europeu e onde a eficiência energética é quase uma figura de retórica.
A maioria das barragens previstas no Programa Nacional Hidroeléctrico vai ser edificada na bacia hidrográfica do Douro, com os seus afluentes, e só isso deveria motivar uma reflexão global, sobre desenvolvimento sustentável e sobre o valor do que se perde: paisagem, biodiversidade, turismo de natureza, solos produtivos.
Enfim: há quem seja contra a corrente. Ainda bem que assim é. Porque contra a corrente, no sentido literal, correrá o Tâmega, violentado ao sabor das flutuações horárias do preço da electricidade. Creio que essa imagem basta, para quem tenha sensibilidade e bom senso!

2)Contra a corrente e em crescendo de adesão anda o movimento Limpar Portugal, de que já aqui falámos. Contrariando a apatia cívica que nos é habitual, o projecto juntou já mais de 40 mil voluntários, que no dia 20 de Março, atacarão o país das lixeiras, do desmazelo e da impunidade. Estamos perante uma iniciativa que deve fazer História, pela dimensão, pela sua origem na vontade de cidadãos que se propõem fazer o que poder local e administração central nunca foram capazes.
Na data aprazada, mais de 300 grupos organizados de voluntários “riscarão do mapa” mais de 11 100 lixeiras a nível nacional. Que se espera não voltem a reaparecer, mais isso é já outra tarefa de continuidade e de vigilância que caberá, em primeiro lugar, às autarquias locais e aos cidadãos despertos para a «cidadania ambiental».
Um sinal positivo e feliz, que nos enche de confiança e de esperança. Bom início de Primavera que afasta, por um dia que seja, os pesados e cinzentos factos que habitualmente dominam o noticiário pátrio!
Bernardino Guimarães
(Crónica publicada no Jornal de Notícias em 16/3/010)

terça-feira, março 02, 2010

COOPERAÇÃO



1) A criação da área de paisagem protegida de âmbito local, das Serras de Santa Justa e Pias é notícia que deve ser realçada.
A proposta da Câmara Municipal de Valongo está agora na fase de «debate público» para receber sugestões, críticas e contribuições por parte de todos os interessados.
Durante décadas, muitos chamaram a atenção para a necessidade de proteger e recuperar aquelas montanhas. O «pulmão verde» da Área Metropolitana do Porto— como foi designado— é uma necessidade vital e as serras deveriam fazer parte fundamental de uma rede de espaços naturais da grande cidade metropolitana, preservando biodiversidade, paisagem, e tornando possível melhorar a qualidade de vida dos cidadãos.
Na proposta, assinala-se que a área a classificar «abrange cerca de 1.070 ha, possuindo valores patrimoniais e paisagísticos que importa preservar, requalificar e valorizar.»
Lê-se ainda no documento que «urge reforçar as medidas de protecção, definir e aplicar políticas de conservação da natureza, da biodiversidade e do legado histórico-cultural que garantam a gestão sustentável do território (...) A protecção desta área terá reflexo não só na conservação e preservação do património natural e cultural, mas também na qualidade ambiental e de vida do Homem, contribuindo para o seu equilíbrio e bem-estar.»
Espera-se que do debate público possa resultar um enriquecimento da proposta, até porque não faltam problemas para enfrentar: as matas de eucaliptos invadiram o terreno de tal forma que a floresta original quase não se reconhece; as lixeiras e sucatas proliferam; os fogos devastam as serras todos os anos.
Parece evidente uma falta: este é um projecto do município de Valongo, louvável certamente, mas não envolve os municípios próximos, como Paredes e Gondomar, quando essa colaboração é essencial para dar escala e dimensão ao tal «pulmão verde». Por que é tão difícil a cooperação— que deveria ser natural e óbvia— entre concelhos vizinhos?
2) A mesma ausência de cooperação e de planeamento intermunicipal, capaz de vencer rivalidades frívolas, nota-se no que diz respeito aos rios: aqui de forma ainda mais pungente, porque se sabe que um rio é uma unidade que não conhece limites administrativos; e que a gestão deve ser feita tomando em conta as bacias hidrográficas como um todo e não parcelas escolhidas e reservadas como «coutadas» desta ou daquela entidade.
Poças Martins, presidente da empresa Águas do Porto disse, e bem, que «a poluição do Douro é manifestamente um problema metropolitano: sem haver uma acção conjunta o Douro não fica limpo.» E que se segue? Aparentemente…nada. Existem, quando existem, esforços de cada município, com maior ou menos empenho, mas de forma descoordenada, desfasada no tempo e nos objectivos.
No caso de um rio mais pequeno mas que em muito contribui para a poluição do Douro, o Tinto tão maltratado, a novela prossegue: o vereador da Câmara de Gondomar afirmou que não teve resposta do Porto e de Valongo à sua alegada proposta de acção conjunta de recuperação. O que Valongo logo desmentiu, dizendo que nada recebeu mas que está pronto a iniciar o trabalho de limpeza.
Nesta confusão, pode perder-se a oportunidade de planear correctamente e de obter fundos do QREN que privilegia as acções intermunicipais.
Se não for problema dos correios, é sintoma de algo mais grave. A cooperação não interessa a ninguém? Como é sinal dos tempos o predomínio da competição, não se estranhe de todo esta conversa de surdos— que faz mais pobres região e país e afecta gravemente a credibilidade dos agentes políticos.
Bernardino Guimarães
(Crónica publicada no Jornal de Notícias, em 2/3/010)