1)Em se tratando de espaços verdes e jardins, ou mesmo de reservas naturais, nada está seguro em Portugal; não se tenha por adquirido que algum desses refúgios de natureza está isento de projectos invasivos e mesmo contrários ao espírito que levou à sua criação. O que se anuncia para o Parque da Lavandeira, em Vila Nova de Gaia, confirma isso mesmo. Considerado, e bem, pela autarquia gaiense, uma das « jóias da coroa» do seu património verde público, como tal abundantemente publicitado, o Parque da Lavandeira, na freguesia de Oliveira do Douro, teve sucesso desde o primeiro dia, sendo mesmo muito frequentado por gentes de todas as idades que ali encontram sossego, sombra de árvores e espaço para caminhar, brincar e contemplar.
Os utentes do Parque deram conta de uma ameaça—a intenção da Câmara de ali instalar uma escola, um «centro escolar» como agora se diz, indo ocupar pelo menos dois hectares que se julgava destinados ao usufruto dos cidadãos. Claro que, polémica em marcha, os autarcas foram lestos em sua defesa: que a perda para o Parque é pequena, que pouco irá alterar no terreno e mesmo que « a construção da escola no Parque da Lavandeira se insere numa estratégia de valorização do processo educativo em associação com os equipamentos públicos mais relevantes.» Quer isto dizer, se alguma coisa quer mesmo dizer, que a escola terá uma ligação umbilical com a temática dos espaços verdes e do ambiente, conforme foi explicado, pela razão (agora a ilação é nossa) de que é construída dentro do…espaço verde!
Escapa ao leitor a lógica desta tese? Também o cronista não alcança o seu significado. De resto, alguns dirão mesmo que o verdadeiro motivo de tão inadequada localização é afinal o carácter público dos terrenos, certamente uma atenuação de custos tentadora.
Trata-se de um precedente grave—mesmo que ( e isso não é pacífico) o impacte da ocupação de uma parte do Parque possa ser minimizado.
Esta prática que faz dos espaços verdes o «elo fraco», passível de acolher todo o tipo de infra-estruturas, por motivos económicos ou outros, subverte o princípio da estabilidade e contradiz os próprios instrumentos de planeamento.
Um péssimo exemplo! Ainda pior: diz-se que também o Parque Biológico, em Avintes, vai ter de prescindir de uma porção do seu território em benefício…de outra escola. Parece configurar-se um padrão de decisões, sempre em desfavor dos espaços ditos « protegidos», que ingenuamente julgávamos a salvo de tais investidas!
2)O Douro está poluído. Não será isto novidade para ninguém, mas o que é de realçar é que está cada vez pior, o estado do grande rio. O estudo sistemático e continuado do seu troço final, levado a cabo pelo hidrobiólogo Bordalo e Sá, e revelado aqui no JN há dias, traz motivo para inquietação. Contaminação fecal 200 a 500 vezes superior ao que seria desejável. Poluição por bactérias, vírus e protozoários, a que se soma o crescente afluxo de químicos diversos, de pesticidas, além de antibióticos e contraceptivos presentes na urina humana. Peixes e moluscos acusando perturbações sérias, enguias com patologias neurológicas, tainhas e solhas que mudam de sexo por efeito da « sopa letal» onde vivem.
Face a isto, que se faz? Boa parte das ETAR não funciona de todo ( caso da de Rio Tinto) ou não fazem desinfecção do efluente. As redes de saneamento estão longe de cobrir o território, apesar de avanços. Não se vislumbra cooperação e decisão conjunta entre os municípios próximos do Estuário do Douro.
Um cenário de poluição grave e de incompetência política mais grave ainda! Creio que vale a pena voltar ao Douro, em outra crónica!
Bernardino Guimarães
( Crónica publicada no Jornal de Notícias em 3/8/2010)
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quarta-feira, agosto 04, 2010
sexta-feira, julho 02, 2010
O PARQUE E O RIO
Há poucos dias, foi apresentado aquilo que pode ser considerado o início do Parque Oriental do Porto. Uns 20 hectares que aproveitam o relevo e a vegetação original, naturalmente com a directriz de melhorar e tornar acessível e confortável o local para usufruto das pessoas. Não será demais saudar o acontecimento, até porque já leva décadas a ideia de salvaguardar um vasto espaço verde na zona mais deprimida e menos favorecida do concelho portuense, entre os vales dos rios Tinto e Torto, na freguesia de Campanhã, sendo que a superfície agora aberta ao público é apenas uma parte do que poderá, e deverá ser o grande parque do lado nascente da Invicta.
Mas a tarefa de alargar e dar sentido ao Parque não será fácil.
As dificuldades são mais que muitas: os terrenos que falta integrar no Parque são privados e as finanças municipais, como as do país, não parecem estar em condições de resolver o problema. A solução, na mente dos eleitos autárquicos, passará por uma engenharia financeira que permute terrenos e abra caminho a alguma construção nas bordas do Parque, sendo certo que esses expedientes nem sempre se revelam lineares e positivos para a integridade do entorno natural.
Quem conhece a zona sabe que ali se guardam tesouros de paisagem e de biodiversidade que quase se não acredita estarmos na grande cidade…e locais de grande beleza remetem-nos para uma natureza que se salvou naquele rincão porque o atraso e o esquecimento deixaram para trás as transformações urbanas nesse Porto desconhecido, paredes meias com bairros problemáticos onde a qualidade de vida é miragem, e existem problemas sérios de isolamento das populações, carência de infra-estruturas básicas e tudo o que mais se sabe. O Parque, se acompanhado do investimento necessário na integração social e renovação urbana sustentável, ser um instrumento para a elevação das condições de vida dos que ali moram. Sabe-se como a existência de amplos espaços verdes ajuda a melhorar a saúde e a vida das populações!
Na imaginária fronteira com Gondomar, o Parque Oriental não cumprirá a sua função ecológica e social nem terá escala suficiente sem os esforços conjuntos dos dois municípios vizinhos. Em Gondomar existem terrenos que completam e fazem parte integrante do conjunto paisagístico e territorial que dá corpo e continuidade ao Parque, que-- por isso mesmo-- deveria ser intermunicipal ou de âmbito metropolitano. Reduzido à mínima expressão, o espaço verde definhará e ficará diminuído e longe do que foi o sonho de muitos durante tantos anos.
A coluna vertebral do Parque/futuro é o rio Tinto, bordejado de campos agrícolas—quase todos abandonados-- e de vegetação ripícola nos locais ainda não entubados e arrasados pela lógica da especulação e do desmazelo; mas a poluição do rio impede o Parque de ser, minimamente um local agradável.
O espantoso falhanço na despoluição do rio, a falta de esforços conjuntos dos municípios para o salvar, a incrível degradação do curso de água, com a ETAR de Rio Tinto a fingir que funciona e boa parte da bacia hidrográfica transformada em caneiro de esgoto, tudo isso entristece e inquieta. Com tal panorama, dificilmente se pode sequer falar em Parque.
Será preciso um rasgo de iniciativa, de cooperação e de mudança. Poderemos contar com isso?
Bernardino Guimarães
( Crónica para Antena 1, em 1/7/10)
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rio Tinto
quarta-feira, maio 27, 2009
BIODIVERSIDADE

Na malha urbana metropolitana do Porto, ainda podemos encontrar locais onde a biodiversidade é pujante. O cidadão interessado pode percorrer os trilhos do Jardim Botânico, conhecer flora autóctone e exótica e esclarecer dúvidas, contemplando a beleza daquele recanto. E o mesmo deve fazer visitando o Parque Biológico de Gaia e outros locais preparados para realçar e mostrar, com rigor, o que a vida é, as formas de que a vida se reveste. Mas qualquer jardim, qualquer nesga de ruralidade que ainda reste, os ribeiros não cobertos de betão e a própria orla do mar servirão de escola para o urbano que já se esqueceu de que nem tudo provém das prateleiras dos hipermercados ou circula nas auto-estradas!
Biodiversidade? Dentro da urbe? Seria então biodiver-cidade! E para que serve isso?
Biodiversidade é a comida que nos vai parar ao prato, as espécies vegetais que fomos moldando para nosso serviço básico, mas que foram retiradas ao longo dos séculos da Natureza---e ainda hoje precisamos desses ancestrais genes silvestres para revigorar os cultivos que nos alimentam. Biodiversidade é a pesca, o conjunto de peixes e outros animais que fazem parte da nossa dieta, e as diferentes interacções entre eles. Biodiversidade é a floresta que fixa carbono, regulariza o ciclo da água e melhora os solos, produzindo madeira e uma infinidade de coisas mais. Biodiversidade é a paisagem que estimamos e que o turismo procura, os produtos de qualidade, os insectos que fazem o serviço da polinização, as aves e outros seres que alegram a nossa vida e estão no centro da nossa cultura. Afinal sempre nos diz respeito!
Ordenar o espaço urbano é abordar também a biodiversidade, procurar travar a sua perda e tirar dela todo o partido para melhorar a cidade.
Na Área Metropolitana do Porto, precisa-se de reservas naturais para salvar os rincões mais preciosos, e de parques urbanos— mas ainda mais é necessário estabelecer «corredores verdes» entre esses locais protegidos, construir uma rede contínua, se possível, que se sirva dos espaços verdes restantes, do curso de rios e ribeiros, da orla costeira e das zonas agro-florestais que devem ligar-se aos perímetros urbanos.
Uma malha verde (de bosques, de quintas, de matas, de jardins e de vias abandonadas) e azul (de cursos de água e suas margens vegetalizadas).
Devemos integrar o tópico biodiversidade no direito do urbanismo? Muita coisa começaria a mudar.
Um tal planeamento físico precisa de vontade política de mudança e cooperação. Ainda existem muitos locais à espera de atenção, enquanto é tempo.
Uma iniciativa da Campo Aberto— a campanha dos 50 espaços verdes— provou-o com exemplos concretos, que podem ser consultados no «site» da associação.
A par com a outra prioridade— a reabilitação do edificado urbano, reganhando população para os centros urbanos— e conjugando as duas, eis um desafio crucial, se quisermos progresso a sério e qualidade de vida para todos!
Bernardino Guimarães
(Crónica publicada ontem, 23/5/09/ no Jornal de Notícias)

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