terça-feira, fevereiro 15, 2011

RUMO INSUSTENTÁVEL

Entre os números que espelham a crise, o desemprego, as empresas que fecham, a confiança que desce, os problemas sociais que se avolumam e preocupam, e aqueles outros que trazem um pouco de alento, as exportações que aumentam, a maior importância da investigação e ciência, há ainda outros números. Mesmo para quem seja definitivamente avesso a estatísticas— não se pode deixar sem atenção a realidade mais surpreendente: como seja a de que, em 2010, ano de crise e de quase paragem no crescimento económico, Portugal viu crescer, e bastante o seu consumo de energia. Também surpreendentemente, entre nós aumentou o peso dos resíduos sólidos urbanos. Quer dizer: em ano de austeridade e de aperto de cinto, consumimos mais energia e fizemos mais lixo. Paradoxo? Facto difícil de explicar, certamente, e ainda não se viu pista que esclareça estes resultados que, além do mais, andam ambos em contra-vapor do que na Europa se passa. Mesmo nos países onde a depressão económica não se fez sentir tão dramaticamente.

Uma coisa é certa: a nossa rota não é de sustentabilidade nem para lá caminha, mas de desperdício e de ineficiência com múltiplas causas, que importaria compreender. Desde logo porque alguma coisa está tremendamente errada num país que consome energia de forma crescente— mais 3,3% no ano passado— sem qualquer relação com a criação de riqueza e de bem-estar social. Não faz sentido, simplesmente.
Algumas coisas, para já podem ser apontadas— falhou totalmente a intenção de promover a eficiência energética e a poupança. A trajectória que se constata levará o país, por absurdo, a dobrar o seu consumo de energia em poucos anos!
Se a produção de electricidade cada vez mais, incorpora fonte renováveis, o que é positivo, convém não esquecer que essa mudança se faz em parte com recurso a obras com enorme impacte no ambiente, como as barragens. Valerá a pena sacrificar o rio Tâmega— tão ligado à nossa cultura e cuja beleza foi cantada por autores ilustres ao longo do tempo— torná-lo numa cascata de embalses e contra-embalses, emparedá-lo e torcê-lo-- para produzir electricidade destinada ao desperdício? A melhor energia é a que não se utiliza e o facto de não termos o mínimo de eficiência e inteligência no seu uso pode pôr em causa a necessidade de trucidar rios e fazer desaparecer vales. Legitimamente se pergunta: serão necessárias essas obras e esses sacrifícios de ecossistemas e paisagens?
Fazer o mesmo ou mais, usando a mesma energia, este deveria ser o objectivo. Mas será necessário um esforço importante, e o Estado terá de dar o exemplo e o impulso— a menos que, e isso seria bom sinal, os cidadãos, a chamada «sociedade civil» queiram ter neste caso parte significativa. Muita coisa se pode fazer na base, e a iniciativa cívica tende a suprir a ineficácia e o peso inerte das instituições oficiais.

O que se diz sobre a energia, pode dizer-se sobre os resíduos. Convém perceber, antes do mais, como é que apesar da nítida—e documentada—retracção do consumo, ainda é possível que aumente o lixo urbano produzido? Toda uma política desaba, apesar da propaganda, face à realidade. Temos baixas ou muito baixas taxas de reciclagem (embora em lento crescimento) e nulas iniciativas para reduzir o volume de resíduos, nas embalagens e na promoção de práticas de reutilização, que aliás só vêm diminuindo.
Um país em processo de empobrecimento, com excesso de desigualdade social e pesadas nuvens negras sobre a forma de dívida e baixa produtividade, mas que aumenta exponencialmente o consumo de energia e gera cada vez mais resíduos, pode dizer-se que está doente. Doente o país e errados os remédios que lhe receitam.
Bernardino Guimarães
( Crónica publicada no Jornal de Notícias em 15/2/2011)

1 comentário:

  1. "Um país em processo de empobrecimento, com excesso de desigualdade social e pesadas nuvens negras sobre a forma de dívida e baixa produtividade, mas que aumenta exponencialmente o consumo de energia e gera cada vez mais resíduos, pode dizer-se que está doente. Doente o país e errados os remédios que lhe receitam."
    Um País, com tantas pessoas capazes de o impulsionar mas,onde reina a lei da cunha e compadrio .... que mais de pode esperar de tal situação?

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