terça-feira, agosto 04, 2009

LUA, LUA

Quarenta anos passados sobre a longa viagem da Apolo XI -- a vez primeira em que pés humanos pisaram a Lua-- é normal que nos lembremos mais do nosso satélite natural, palco de uma célebre aventura.
Lembro-me da emissão, preto e branco, da TV; das imagens quase irreais; da tensão da chegada daqueles embaixadores da humanidade, os passos lentíssimos de Armstrong e seus companheiros no solo lunar, que eram mais voo que caminhada. E recordo-me que, tirando os olhos da pantalha luminosa, espreitei a Lua que se vê da janela, de todas as janelas— e era igual a sempre, branca e magnética, muda e branca, mas andavam homens por lá, aos pulos! Depois aprendi os nomes que tinham sido atribuídos, precária geografia, aos lugares da Lua: o Mar da Tranquilidade ficou-me na memória, afinal uma planura rochosa, esburacada de meteoritos. E a palavra «alunar» há-de sempre permanecer entre as minhas favoritas. Aquele grande «salto para o género humano» foi bem sucedido, se julgarmos pelas consequências e resultados? Alguns dizem que pouco mais restou além de umas centenas de quilos de rochas lunares…por mim, não consigo desvalorizar o feito, a gesta heróica e a ambição, óbvio moderno paralelo com as Descobertas marítimas do século XVI que nos revelaram a Terra, nosso lar de sempre. Ambos os acontecimentos estarão na génese de um conceito «global» para o destino humano. E creio mesmo que, se a visão da aridez da Lua, a sua ausência de atmosfera num deserto mineral, exposto à crueza da poeira e radiação cósmica, foi impressiva e importante, mais decisiva ainda terá sido a visão da Terra. O «planeta azul» já tinha sido fotografado a partir do espaço, mas vê-lo da Lua, àquela distância, produziu como que um abalo fundamental— a começar pelos astronautas, que se disseram comovidos com a aparente fragilidade do nosso planeta, da sua cor turquesa, ponto insignificante mas singular na galáxia onde se situa, oásis de vida que não sabemos se tem correspondência, como e onde. A vida é um mistério. Um mistério que neste casulo se desenvolveu, com os seus sinais primordiais e básicos— água, seres elementares, oxigénio, atmosfera, diversificação das formas de vida, que dependem e ao mesmo tempo criam condições de vida, e de vida que muda e se adapta e se transforma.
As longas e difíceis jornadas dos astronautas ajudaram à recolocação do homem e da sua casa ancestral no seu lugar próprio, no mesmo momento em que pareciam abrir-se as portas para outros cenários e outras distâncias. A ciência avançou— esperemos que a consciência também. Surgiram, como sempre, novos símbolos, novos mitos.
Parece que lá para 2020 voltaremos à Lua com naves tripuladas, coisa que já não acontece desde 1972. Entretanto, sondas viajam milhões de quilómetros até aos confins da galáxia ou abordam Marte, nele pousando e indagando, ou ainda enviam-nos imagens de cenários tão extraordinários como o das poeiras e outros detritos cósmicos que formam os anéis de Saturno.
Mas nunca compreenderemos o espaço infindo se não descobrirmos e conhecermos a Terra e— mais do que isso— aquilo que é preciso encontrar e fazer para que na Terra continuemos a ter a nossa sede e os nossos pés, mesmo se podemos viajar para longe com as nossas máquinas, a imaginação ou o corpo de humanos pioneiros.
A aventura precisa de raízes. O avanço da técnica tem de ser acompanhado do que alguém chamou a «esfera da consciência» universal e global--mas individual antes de tudo. Aqui entra e Ecologia e a vontade de gerir bem a nossa terráquea herança, tão ameaçada.
E só a partir daí, e por isso mesmo, seremos integrantes da grandeza e dos enigmas do Universo.
Bernardino Guimarães
(Crónica na RDP-Antena1, em 23/7/09)

3 comentários:

  1. " O avanço da técnica tem de ser acompanhado do que alguém chamou a «esfera da consciência» universal e global--mas individual antes de tudo. Aqui entra e Ecologia e a vontade de gerir bem a nossa terráquea herança, tão ameaçada."

    Belissimo tudo ...

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  2. Caro Peregrino...
    Estava eu voltada aos tempos dos descobrimentos em minhas pesquisas e encontrei uma crônica bem interressante a qual cai super bem neste momento e repasso pra vc e seus seguidores:
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    De: Helena Costa - 9 Dezembro 2008

    Era uma vez um povo de marinheiros e de guerreiros, o povo português. Levados pela procura de riqueza e de novas terras, aventuraram-se no Oceano desconhecido, em direcção ao horizonte.
    Em contrapartida, a descoberta espacial. A busca pelo conhecimento, pela descoberta. A procura incansável e inatingível pelo saber absoluto.
    Qual delas a mais gloriosa? Qual delas a derradeira aventura do homem?
    Em nada se comparam as épocas das duas viagens. Por um lado século XV. Tempo em que o Oceano era o desconhecido, o obscuro. Tempo de crenças inimagináveis, hoje em dia. Tempo em que viajar no mar era nada mais do que provocar a morte.
    Por outro, século XX – Todas as crenças mitológicas ultrapassadas, avanço tecnológico, mais condições. E, mais uma vez, alguém sonhou ir mais longe, quebrar os padrões do impossível. E eis que chegámos ao Espaço.
    Apesar de tudo, na minha opinião, os Descobrimentos Marítimos são a maior aventura da humanidade. Não é possível comparar uma caravela com uma nave espacial, esperar encontrar monstros, gigantes e afins e esperar que tudo corra bem para regressar a casa rapidamente.
    Mas, é certo, nada iguala a coragem, a determinação daqueles homens, tanto marinheiros como astronautas. E os feitos do passado são um exemplo para nós, actualmente. Não há limite para sonhar, não há limite para conseguir.
    “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.”
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    É meu caro Peregrino... independente dos históricos, as conquistas aparentemente se perdem e suas causas não se tem muito efeito depois de algum tempo mas mesmo assim vivemos numa busca incessante de descobertas e descobrimentos na intenção de sempre responder pra nós mesmos... quem somos, onde estamos e principalmente pra onde e com quem vamos...
    No final, o que conta mesmo é a garra, coragem e disposição de cada um com os propósitos de sua próprias viagem... mesmo que seja ver a lua ou ir até ela.

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  3. Mas nunca compreenderemos o espaço infindo se não descobrirmos e conhecermos a Terra e— mais do que isso— aquilo que é preciso encontrar e fazer para que na Terra continuemos a ter a nossa sede e os nossos pés, mesmo se podemos viajar para longe com as nossas máquinas, a imaginação ou o corpo de humanos pioneiros.
    A aventura precisa de raízes.
    Tudo necessita de raízes, fortes raízes...caso contrário desmorona-se.

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